Pode ser apenas uma percepção pessoal, mas sinto que seja qual for o resultado do segundo turno das eleições de 2014 a sensação de desencanto dos eleitores supera os percentuais dos candidatos. As pesquisas não mediram o grau de desilusão do público em relação às promessas e ao desempenho dos dois candidatos presidenciais, mas a falta de entusiasmo dos eleitores é palpável nas redes sociais.
Houve apenas uma fugaz demonstração de expectativa quando Marina Silva despontou como alternativa, mas as contradições de seu programa e dos partidos que a apoiavam minaram a sua possibilidade de encarnar as esperanças do eleitorado. O resultado é que tivemos mais do mesmo em matéria de candidaturas e programas.
O desencanto dos eleitores pode ser percebido com mais clareza nas redes sociais, como o Facebook, onde as pessoas se expressam com mais liberdade do que nas pesquisas de opinião. E o que se pode perceber é que o público se dividiu em duas atitudes: a do bate-boca e a da decepção, com um leve predomínio desta última.
A imprensa passou ao largo dessa divisão porque não conseguiu criar uma sinergia com o público, acabou se limitando a uma cobertura burocrática e a servir de instrumento para lobbies e grupos de pressão organizados, como os sistemas financeiro e bancário. Os jornais e revistas precisam reavaliar suas estratégias editoriais para evitar um distanciamento ainda maior em relação ao leitor e a perda de credibilidade política.
Diante da falta de interação com a imprensa escrita, a alternativa do público passou a ser a televisão, por causa dos debates entre candidatos, e as redes sociais, onde a troca de ideias, palpites e também de desaforos acabou aproximando mais as pessoas, fazendo com que elas se sintam mais à vontade na hora de tomar uma atitude.
A descaracterização ideológica dos partidos, as alianças eleitorais oportunistas e a generalização do marketing político transformaram as eleições num jogo dominado por aqueles que desejam controlar o poder. A representatividade popular foi perdendo densidade com o passar dos anos e hoje transformou-se num slogan quase vazio.
Além do distanciamento da imprensa em relação ao público nos períodos pré-eleitorais, outro fator que agravou o desencanto dos eleitores é a obsessão dos candidatos pelas promessas de campanha – um hábito antigo, mas que se mostra cada vez mais ineficiente. Mesmo os eleitores pouco familiarizados com a política sabem que fazer promessa é a coisa mais simples do mundo para um candidato.
Cumprir com o prometido já é um problema bem mais complicado e que não depende apenas do político, pois há toda uma máquina administrativa e burocrática a ser mobilizada. Por isso sobram desculpas e explicações para o abandono daquilo que foi prometido nos palanques e debates eleitorais.
No caso especifico deste segundo turno, a candidata Dilma Rousseff prometeu continuar o projeto petista, apesar de que isso depende do apoio de uma eclética base aliada de partidos interessados apenas em cargos públicos bem remunerados. Dilma não conseguiu reviver o carisma de Lula e sua campanha não teve o mesmo envolvimento popular do seu antecessor.
Aécio Neves prometeu mudança, tentando reviver a mística de Lula em 2002, mas não conseguiu ocultar o fato de que o antipetismo sempre foi a principal mola propulsora de sua candidatura. Para o eleitor, mudança significa novos tempos, novas propostas, novas esperanças, mas a oposição não logrou superar a sensação geral de que, para ela, mudar se limitava apenas a acabar com a hegemonia do Partido dos Trabalhadores.
A soma desses fatores se plasmou num sentimento de desencanto com a política que não chega a ser expresso em números como, por exemplo, as abstenções e votos nulos ou em branco, porque é mais um estado de espírito do que uma atitude ou decisão pessoal. Por ser um estado de espírito, o desencanto político se manifesta na falta de entusiasmo eleitoral e pode se concretizar de forma imprevista, como aconteceu nos protestos de rua de junho-julho de 2013.
O desencanto torna as pessoas menos submissas ao poder do Estado porque elas não se sentem correspondidas e nem comprometidas e corresponsáveis. Isto provavelmente fará com que o próximo governo tenha muita dificuldade em criar uma base popular minimamente sólida. A perspectiva é de muito conflito entre os lobbies políticos e empresariais que lutam por favores estatais, ao mesmo tempo em que estão criadas as condições para a rotinização de protestos dos segmentos mais desiludidos da população – como os sem teto, sem terra, sem transporte e sem perspectivas.