Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Em campanha, mais propostas, menos fofocas

O repórter do Estado de S. Paulo Carlos Marchi disse em entrevista ao Observatório da Imprensa que dois desafios principais espreitam o jornalista que acompanha campanhas eleitorais:


– A mistificação e a mentira. A mistificação é, de certa maneira, a mentira edulcorada, é a adaptação de determinados problemas e situações que os políticos fazem para enganar, para encobrir momentos, ou movimentos, ou mecanismos que lhes são desfavoráveis. Na mistificação eu enquadraria também a invenção de idéias irrealizáveis, de promessas que não podem, evidentemente, ser cumpridas, mas que ele, assim mesmo, propõe. De outro lado, existe a mentira pura e simples. O político ou te tira da pista, ou te diz uma coisa que absolutamente não é verdade. Eu até enquadraria também na mentira um terceiro aspecto: o sujeito que some, que desliga o telefone quando está numa boa situação, em que não quer falar com você, num momento em que não interessa a ele entrar em áreas de questionamento.


Carlos Marchi citou como exemplo de mentira pura e simples uma que, disse, lhe foi pregada por Orestes Quércia na própria sexta-feira (23/6) em que deu a entrevista. Ele falou com o presidente do PMDB paulista às quatro da tarde. Quércia disse, a respeito das negociações para compor chapa com o PSDB na campanha em São Paulo, relata Marchi, que estava “tudo caminhando”. Pouco mais tarde, Quércia confirmou à Rádio Eldorado que seria candidato. Marchi disse que telefonou ao ex-governador para questionar a desinformação de que fora vítima e recebeu uma resposta que o deixou indignado: “Mudei de idéia”.


O repórter deu uma informação de bastidores: ouviu que, se o presidente Lula for reeleito, Quércia acabará ministro. Mas está convencido de que ele permanece na política para se proteger: “Quércia parece ter uma obsessão doentia com sua própria biografia”. O ex-governador, como se sabe, foi objeto de denúncias de enriquecimento ilícito após sua passagem pela prefeitura de Campinas, nos anos 1970, e pelo governo de São Paulo, entre 1987 e 1990.


Por essas e outras, Marchi considera fundamental valorizar, na cobertura das campanhas, as questões de programa, em detrimento de fofocas e detalhes. Nem sempre isso é devidamente compreendido.


Relatou que, em recente entrevista com o senador Aloizio Mercadante, candidato do PT ao governo paulista, pôs o foco de suas perguntas no programa de governo. O mesmo aconteceu em viagem a Araçatuba para cobrir uma atividade do ex-prefeito José Serra, candidato do PSDB. Depois, ouviu de interlocutores tucanos que havia “levantado a bola para o Mercadante”, e de interlocutores petistas que havia feito o mesmo para Serra.


“É preciso levar ao leitor um alerta sobre os propósitos do candidato”, disse Marchi. “A discussão rica é sobre programa. Infelizmente, não temos no Brasil esse hábito salutar”.


O repórter do Estadão foi informado de que em pesquisas qualitativas se constata que 90% das pessoas não são vinculadas a partidos. “O dado pode estar exagerado, mas é provável que 70% não tenham em política paixões clubísticas, tenham a cabeça aberta para ouvir propostas”.


Candidatos propositivos


Marchi, por isso, está otimista em relação à campanha presidencial deste ano:


– Esta campanha que vem por aí este ano vai ser uma campanha intensamente propositiva. Nós teremos dois candidatos extraordinários, representativos de um grupo de idéias e de dois partidos bastante sólidos, consolidados e enraizados na sociedade brasileira. Isso é bom, é educativo, é didático, porque permite ao eleitorado escolher com clareza aquele candidato que interessa a seus propósitos, a suas idéias ou à realidade de suas regiões, de suas cidades.


Embora tenha dito que detesta analogias futebolísticas, Marchi cedeu à tentação e comparou o período atual da campanha com “Seleção brasileira um mês antes da Copa: os jornalistas do esporte têm muito espaço à disposição e pouco assunto importante. Então surgem bolhas, boates, beijos, atuações como D-J”.


Quando a campanha começar de fato, previu o repórter do Estadão, estarão em confronto duas opções de poder no Brasil. “Será fácil para o eleitor distinguir, a despeito das semelhanças entre os dois partidos mais importantes”, disse. “Alckmin, Lula, Serra e Mercadante são candidatos propositivos. O PT se depurou. O presidente Lula se definiu ideologicamente de maneira mais clara. Caiu fora das aventuras bolivarianas”.