Foi um experimento em abstinência de informação. Durante 10 dias, pela primeira vez desde que me tornei dependente da adrenalina da notícia, fiquei deliberadamente fora do mundo – se estar dentro do mundo significa estar por dentro do que dele a mídia escolhe revelar.
Facilitado pelas circunstâncias, o jejum de jornais que em outros tempos pareceria insuportável não me fez subir pelas paredes, nem ver escorpiões e lagartos subindo por elas. Nas condições certas de temperatura e pressão, dadas pelo afastamento temporário das lides, me dei conta de que até um soldado com mais de 40 anos de quartel pode tomar o café da manhã sem a presença tirânica dos textos, sons e imagens, portadores das presumíveis verdades da hora.
Foi bom enquanto durou. E, por breve que tenha sido a experiência, permitiu constatar depois, no reencontro com a imprensa, a entorpecedora mesmice do noticiário.
Claro: os fatos se repetem. Que há de novo em um governante dizer ontem uma coisa e fazer hoje outra? Ou em um político dizer ontem uma coisa e dizer hoje que não a disse? Do caos no tórrido litoral de São Paulo ao banho de sangue pós-eleitoral em um país africano, qual é realmente a novidade?
Claro também que o eterno retorno dos acontecimentos não os torna menos noticiáveis. Mas antes fosse tão simples. Quando se consegue enxergar a floresta apesar das árvores, fica claro que a repetição dos assuntos é o mal menor, perto da repetência da mídia: em matéria de mudar de atitude, ela não passa de ano.
Atitude, no caso, é uma palavra-ônibus. Cabe nela toda a massa de procedimentos embutidos no produto jornalístico. Também atende pelo nome de política editorial. O de sempre: o que se dá (e como) e o que se deixa de dar.
O exemplo ululante é a insensibilidade incorrigível da mídia diante da barbárie brasileira, que nesse fim de ano fez a sua festa macabra. Só em Salvador e só no dia 31, foram 34 homicídios. Entra ano, sai ano, a imprensa se mostra incapaz de mudar de atitude, para cobrir com mais informação, mais profundidade e mais contundência a sangueira que já chegou ao topo das preocupações da população.
Outra mesmice é a perversão que Tomás de Aquino fulminou dois séculos antes de Gutenberg inventar os tipos móveis de impressão: a ignorantia affectata, ou ignorância cultivada – a deliberação de desconhecer a verdade. Ou, em jornalês, “não me venha com fatos novos que já tenho opinião formada”.
Começo a me perguntar se parte das insuficiências dos jornalões não deriva de serem, afinal, jornalões. Entre o modelo deles, que os torna, a par de outras coisas, reféns do “quanto mais se escreve, mais se erra’, e o modelo dos jornais de metrô, o fast food da imprensa, haveria idealmente espaço para uma terceira via, um formato físico, conceitual e deontológico que permita contar, analisar e opinar sobre o essencial dos acontecimentos.
Mas isso, no mundo real brasileiro, é sonho de verão, tantos os fatores que jogam contra. Um deles é que o modelo presume um poder de seleção e síntese na contramão do que se faz dentro do que já foi descrito como a “blindada câmara de eco” da mídia.
A comparação que me ocorre é com um livro, lançado nos Estados Unidos no ano que acabou. Chama-se, no melhor estilo jornalístico, What we know about climate change (O que sabemos sobre mudança climática). O autor é um premiado professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Kerry Emanuel.
A idéia é que, se você tivesse que ler um único livro sobre o assunto do século, é esse aí. Mas o que o celebrizou é o seu tamanho – 80 páginas, com no máximo 20 linhas por página, e cada linha não medindo nem
Naturalmente, pode-se desinformar ou mesmo distorcer a realidade em muitas ou poucas páginas. Supondo, porém, que essa não seja a intenção, menos talvez seja mais – e melhor.
Não sei se me explico bem, mas foi ao que me levou o reencontro com a imprensa, depois da abstinência programada.
P.S. Uma notícia realmente nova
A espetacular novidade de 2008, que fez picadinho do que os donos da verdade midiática davam de barato em 2007, é a ascensão do democrata Barack Hussein Obama, o primeiro negro americano (filho de pai queniano) a ter alguma chance de disputar a Casa Branca nas eleições de novembro.
Quem quiser ter uma noção de por que o homem é chamado “fenômeno” – e daí para cima – talvez se interesse em vê-lo e ouvi-lo em três momentos.
O primeiro, como principal orador da sessão final da convenção nacional do seu partido em 2004. O link é http://www.youtube.com/watch?v=MNCLomrqIN8 .
O segundo, num discurso de campanha em novembro último. Está em http://www.youtube.com/watch?v=tydfsfSQiYc .
O terceiro é o discurso da vitória nas assembléias eleitorais (caucus) de Iowa, na semana passada. http://www.barackobama.com/2008/01/03/
remarks_of_senator_barack_obam_39.php .
Os três são de arrepiar.