Todos os grandes jornais transcreveram trechos da entrevista exclusiva da repórter Luiza Villaméa com o ex-ativista italiano Cesare Battisti, que se tornou a matéria de capa da edição da semana entrante da revista IstoÉ.
As citações serviram amplificar os protestos de inocência de Battisti, condenado em seu país à prisão perpétua por quatro homicídios, em um noticiário dominado pelas estridentes reações italianas à decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder-lhe refúgio no Brasil, incluindo a convocação do embaixador italiano em Brasília “para consultas”.
“Eu nunca matei ninguém”, afirma Battisti. “Eu nunca fui um militante militar em nenhuma organização. Nem na Frente Ampla nem nos PAC [Proletários Armados para o Comunismo], onde fiquei dois anos, entre 1976 e 1978. Saí dos PAC em maio de 1978, depois da morte de Aldo Moro [o ex-primeiro-ministro sequestrado e morto pelas Brigadas Vermelhas].”
E ainda: “A luta armada foi um erro. […] Eu nunca atirei em ninguém. Nunca acreditei que se podia mudar o mundo matando pessoas.”
Às tantas, a repórter lhe pergunta por que ele demorou 16 anos para falar que não matou ninguém. Ao responder, ele usa umas tantas vezes os verbos no presente, mas é do passado que está tratando:
“Porque os outros que confessaram, disseram que tinham matado de verdade. Se eu me defendesse, me diferenciaria e abriria uma brecha na doutrina [do presidente François] Mitterrand, que impunha a mesma defesa para todos. Nada de sustentações individuais, como inocência, revelia, como alegações pessoais. Eu obedeço a essa norma de conduta. Em nenhuma das etapas desse processo reivindico a inocência. […] Eu não posso me separar. Para dizer que sou inocente, tenho que renunciar a defesa dos advogados. Fiz procuração para outro advogado, que está me defendendo na França, para poder dizer, agora alto, que não matei ninguém e fui condenado à revelia. Para isso, tive de sair da defesa coletiva.”
Battisti tem sido um problema para a imprensa brasileira. O seu caso pode ser mais nebuloso do que dão a entender os editoriais unanimemente contrários à concessão do refúgio – por alegadas afinidades ideológicas do ministro em particular e do governo Lula em geral com o acusado.
Os jornais invocam o tema aos gritos, mas nem aos sussuros ligam o comportamento raivoso das autoridades italianas ao fato de o governo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi ser não só de direita, mas coligado com o neofascismo.
A mídia não se deu ao trabalho de caracterizar a filiação partidária e a respectiva linha política dos ministros e parlamentares que saíram dizendo cobras e lagartos da decisão brasileira – embora entre os críticos também figurem políticos de esquerda.
O que de mais substancial saiu contra Battisti é a matéria da Folha da sexta-feira, 30, com base em cópias a que o jornal teve acesso de documentos que fazem parte do pedido de extradição apresentado pela Itália, sobre o qual o Supremo Tribunal Federal ainda deverá ser pronunciar – ou não, se entender que o caso está encerrado.
Os papéis são de cinco decisões sobre o caso. Neles, 10 testemunhas corroboram as acusações da Justiça italiana, da França e da Corte Europeia. Mostram, destaca a Folha, “que foi assegurado ao italiano amplo direito de defesa”.
“Tarso”, lembra o jornal, “havia argumentado que a condenação foi baseada em um único depoimento” e disse ter ‘profunda dúvida’ sobre o processo legal” na Itália – o estopim da crise diplomática.
Detalhe: as 10 testemunhas mencionadas pelo jornal, “que contribuíram para os processos que levaram à condenação de Battisti” aceitaram, todas, participar do esquema de delação premiada que lhes foi oferecido pela Justiça italiana.
A íntegra da entrevista de Battisti à IstoÉ pode ser lida aqui.