Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Exame lança Alckmin

A mídia ajudou o presidente Lula a lançar sua candidatura à reeleição no Primeiro de Maio. Agora, a segunda candidatura – essa uma pré-candidatura, ainda dependente de decisão partidária – é lançada também na mídia, em reportagem de capa da revista Exame desta quinzena, dedicada ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Outras candidaturas já lançadas são as do ex-governador Anthony Garotinho. também pendente de decisão partidária, do PMDB, e do vice-presidente da República, José Alencar. A mídia também deu uma mãozinha nesses dois casos.


Alckmin é um político que tem méritos indiscutíveis – bateu José Genoíno nas eleições de 2002, por exemplo –, mas essa operação da Exame reitera um padrão no qual as as coisas estão postas de cabeça para baixo.


Em primeiro lugar, questão de método: por que começar a discussão com nomes, não com problemas e propostas? Além disso, tem cabimento ignorar temas como financiamento de campanha no momento em que se arma o jogo para 2006?


Em segundo lugar, os presidentes de empresas consultados em pesquisa do Instituto Vox Populi – Alckmin tem 80% da preferência de 281 homens de negócios – não são grandes eleitores. São, alguns, em condições “normais”, inexistentes neste momento em que se procura dissecar o Caixa 2, grandes financiadores, ou agenciadores de financiamentos, de campanhas eleitorais.


Em terceiro lugar, a avaliação da administração estadual paulista apresentada na reportagem é feita quase exclusivamente pelos repórteres que a produziram. Não se ouviu uma instituição de pesquisa, um prefeito, um deputado federal, um senador.


Sob o título “O saldo da administração Alckmin” os números apresentados são agregados gigantescos: crescimento do PIB (de apenas um ano, não uma série histórica), recuperação da capacidade de investimento, controle de despesas. Detalham-se alguns cortes de ICMS e a economia feita mediante o sistema eletrônico de compras. A avaliação é amplamente positiva, com restrições à política de segurança pública, ou melhor, registro da percepção negativa que a população tem dela. Será que tudo o mais está andando bem no estado?


Registra-se a opinião de José Galló, presidente da Lojas Renner: “Alckmin administra o estado como se fosse uma empresa privada”. Que mérito intrínseco tem essa constatação, caso seja verdadeira, se o estado não é uma empresa privada? Caro leitor, não estou dizendo que o governador não é um bom administrador do estado. Não fiz essa pesquisa. Estou dizendo que a frase reproduzida não tem a menor relevância, a não ser para quem acredita que as empresas, de modo geral, têm administradores modelares, e que a administração pública deve replicar a das empresas.


Opinam ou comentam também na reportagem o secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, João Carlos Meirelles, o secretário de Segurança, Saulo de Castro Abreu – dois subordinados e correligionários de Alckmin –, um diretor de planejamento da Comgás, Marcelo Esteves, e um deputado estadual, o líder do PT na Assembléia, Renato Simões, que trata exclusivamente do confronto político: “Alckmin é um rolo compressor e esvaziou as funções da Assembléia Legislativa”, exagera Simões. (Ver declaração dada ontem ao Observatório por outro deputado do PT, Carlos Neder, para quem a Assembléia tem uma agenda relevante.)


Em quarto lugar, não existe questão social em São Paulo. Leitor: pode usar lupa, busca eletrônica, o que quiser, para varrer as oito páginas da reportagem: não existe questão social. Seria injusto dizer que a Exame desconsidera os problemas sociais. Eles aparecem freqüentemente na revista. Mas nessa reportagem não aparecem. E a realidade social paulista é bem constrastada. Para dar um único exemplo: na data de hoje, segundo o programa Luz para Todos, do governo federal, há na área rural do estado de São Paulo 43.800 famílias em residências que não dispõem de energia elétrica. Usando a média nacional de cinco pessoas por família, são quase 220 mil pessoas. Não é fácil achar dados sobre moradias sem luz em áreas urbanas, mas o Censo de 2000 encontrou na cidade de São Paulo 2,2 milhões de pessoas morando em 1.095 favelas. Aí, leitor, pode escolher a carência que preferir.


Com esse padrão de debate, o processo eleitoral começa mal na mídia.