Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ex-assessor de Bush leva a imprensa norte-americana a discutir posicionamento ético na cobertura da invasão do Iraque

Um livro de memórias de um ex-assessor da Casa Branca colocou a grande imprensa norte-americana diante da espinhosa tarefa de revisar procedimentos editoriais e omissões informativas em 2003, quando o presidente George W. Bush ordenou a invasão do Iraque que levou à derrubada do regime de Saddam Hussein.


 


A principal âncora da televisão norte-americana, Katie Couric, uma espécie de Fátima Bernardes da rede CBS, admitiu publicamente esta semana que foi pressionada a justificar a guerra e evitar qualquer tipo de criticismo ou ceticismo na cobertura dos fatos de antecederam a invasão, há cinco anos.


 


Couric foi até agora a mais importante personalidade da imprensa norte-americana a endossar as afirmações de Scott McClellan, ex-secretario de imprensa da Casa Branca no governo Bush, que acaba de publicar um livro de memórias no qual afirma que a imprensa norte-americana foi duramente pressionada pelo presidente, pelo Pentágono e pelo Departamento de Estado a evitar questionamentos à decisão de invadir o Iraque.


 


McClellan foi assessor de Bush entre 2003 e 2006, quando foi afastado do cargo em meio a rumores de que havia se desentendido com Karl Rove, o todo-poderoso conselheiro de Bush para questões estratégicas. Ele foi governador do Texas e fazia parte do núcleo duro de ultraconservadores que acompanha Bush desde o seu primeiro mandato presidencial.


 


O livro What Happened: Inside the Bush White House and Washington’s Culture of Deception (O Que Aconteceu: Por Dentro da Casa Branca de Bush e da Cultura da Mentira em Washington) deveria ser lançado só no início de junho, mas algumas cópias vazaram para a imprensa provocando enorme celeuma, não só entre jornalistas como também entre os políticos.


 


Os antecedentes de McClellan, o fato de este ser um ano eleitoral e também porque o livro é a primeira confissão pública de erros por um membro do governo Bush monopolizaram a atenção dos grandes nomes da imprensa norte-americana que se dividiram em dois grupos: os que reconhecem ter sido pressionados a pôr de lado o papel de fiscais do governo (watchdog) e os que justificam as omissões e distorções no noticiario, com base no impacto emocional gerado pelos atentados de 11 de setembro de 2001.


 


Jessica Yellin, âncora da CNN, e que trabalhava na rede NBC em 2003, também admitiu que foi pressionada a apresentar uma visão rósea da invasão. Brian Williams, âncora atual do telejornal da noite da NBC, reconheceu ter recebido vários telefonemas do Pentágono no período pré-invasão, sempre que o noticiário incluía algum item pouco simpático à estratégia da Casa Branca — mas não chegou a fazer um mea-culpa como suas colegas Kouric e Yellin.


 


McClellan diz no seu livro, cujo lançamento foi antecipado por conta da polêmica que provocou, que o presidente norte-americano desenvolveu uma estratégia da mentira para justificar a invasão e classificou esta decisão como “o maior erro da administração Bush, que abandonou a transparência e a honestidade no momento em que elas eram mais necessárias”.