Eis a entrevista dada ontem (18/6) por Andrelino Campos.
Qual é sua visão sobre este ciclo que se instaurou no Rio de Janeiro?
Andrelino Campos – Acho que há dois pontos interessantes. Um foi divulgado hoje: a questão das armas, o roteiro das armas que saiu dos Estados Unidos e chegaram às favelas, no Jornal Nacional.
Ali só faltou um detalhe: quem vende para os traficantes.
A.C. – Eu acho que dá para ligar com outras coisas. Outro dia pegaram em São Paulo um grupo extremamente articulado, um pessoal organizado que fornecia armas para tudo quanto é lado. Isso tem dois, três dias (*). Aí eu começo a ligar com o pessoal dos caça-níqueis. Eu já havia denunciado isso desde que fiz a tese de doutorado (ver adiante), [Antonio Carlos] Biscaia já havia denunciado), quando os bicheiros foram presos, os “Iggnacios” da vida [referência à prisão de Fernando Iggnacio, genro de Castor de Andrade, e de Rogério Andrade, sobrinho de Castor, em outubro de 2006]. Eu acho que há uma articulação extremamente organizada, fora, que faz todo o movimento. E é o que venho sempre dizendo: não importa quem esteja na linha de frente vendendo drogas. Diga-se de passagem, eu tenho sérias dúvidas, e aí é uma questão particular, se é eficaz essa situação de vendas de drogas em favelas. Por exemplo, a classe média, em Niterói, em 1997, 1999, já não estava subindo morros em Niterói para comprar drogas. Eu subi em dois morros lá para fazer pesquisa. Se não estava subindo para comprar drogas, alguém comprava. Quem comprava? Outra coisa que eu acho extremamente interessante começar a analisar são as armas, que o pessoal não desce para comprar, alguém leva.
Existe alguma coisa mais adiante, que a gente não está conseguindo perceber, que movimenta quantidades de dinheiro que talvez sejam interessantes para manter a disputa. Porque só droga, atualmente, eu acho que é muito pouco. Seqüestro e outras coisas movimentam bastante, ou existe uma outra perspectiva, uma coisa bastante encoberta, que a gente não consegue detectar, que motiva essa luta desesperada por pontos de venda. Que agora eu não sei mais se são de drogas, se são de armas, de que são.
Tenho muitas dúvidas, realmente. Porque acreditar que é só isso é é como se se pensasse assim: Olha, os bicheiros só vendem apostas e jogos. Ou também pensar: Ah, os traficantes de varejo de drogas nas favelas só vendem drogas. Fica muito incompleto, isso.
Uma pressão dessas de 50 dias na Vila Cruzeiro. E a Força Nacional agora chegando, Caveirão, e nada resolve! Tem alguma coisa que não está bem explicada nessa situação toda, porque são 50 dias! Eu lembro bem que há uns oito anos, com um cerco de uma semana em uma favela, praticamente, você esmagava qualquer atitude. Agora, 50 dias?
Paulo Baía mencionou que houve um cerco na Rocinha de nove meses. Não acabou com coisa nenhuma. Em 2003, 2004.
A.C. – O cerco da Rocinha pelo menos não ganhou tanta visibilidade na imprensa. Não posso afirmar, porque não estou fazendo mais pesquisa, mas acredito no seguinte. Nove meses na Rocinha, que não foi com Força Nacional, não foi com Caveirão, não teve a mínima estrutura que teve essa aqui. Paulo Baía vai me perdoar, mas não dá nem para comparar.
O número de PMs que deram na época da operação na Rocinha é grande: 1.300 homens.
A.C. – Mas agora são muitos mortos e feridos. Não houve na cidade um momento tão tenso quanto este, de durar tanto tempo.
Favela é propriedade provisória em espaço improvisado
No debate de 12 de março o senhor disse que não há solução urbana aceitável que mantenha as favelas enquanto tais. Peço que explique por quê.
A.C. – É propriedade provisória em espaço improvisado. Com obras de alta tecnologia? Então a obra de alta tecnologia continua improvisada, porque o espaço todo é improvisado. É como se você colocasse, por exemplo, um elevador supersônico, e toda a estrutura improvisada. A obra não funciona, na verdade. Nem passarela, nem teleférico, nada disso funcionará.
E como é que seria um política para modificar essa estrutura fundiária?
A.C. – Primeiramente, essa questão não é nem questão de dar propriedade para as pessoas da área improvisada. A primeira coisa que eu acho que tem que ser feita, eu tenho quase que a certeza… A favela traz em si todo um arcabouço de discriminação, de preconceito. Então, eu tenho que arrumar uma forma em que não haja diferença entra a cidade dita formal e esta parte que está improvisada. Eu tenho que olhar a cidade como uma coisa só, sabendo da diferença de renda das pessoas.
Por exemplo, Engenho de Dentro, é um bairro da Zona Norte. Tem parte pobre e tem partes ricas, mas eu vejo quase como uma unidade. É um bairro. Eu não posso olhar que o bairro termina aqui e aqui começa a favela. Na verdade, há uma descontinuidade espacial. Enquanto eu vir uma descontinuidade espacial, haverá possibilidade de eu ver a diferença espacial. E o lugar da diferença é o lugar que eu não respeito, não encontro sentido em pensar aquilo como continuidade da própria cidade.
Acredito que para desfazer esse preconceito, para desfazer essa discriminação, eu vou ter que desmontar. Desmontar espacialmente e reestruturar de uma outra forma, em que eu não encontre diferença entre a cidade formal e a favela. Ou melhor, deixa de ser favela. É a cidade.
Aí você pensa assim: é muito caro fazer isso! Claro que é muito caro perder vidas o tempo inteiro. É caro alguém ter que dar outro endereço, que não o seu, porque mora na favela. É muito caro para os jovens que vão para a escola e não podem dizer onde moram. É muito caro para as famílias sair lá do Alemão para ir para o [Hospital Municipal] Souza Aguiar, que é no centro da cidade – porque não tem como ficar um hospital aberto à noite. É muito caro uma série de coisas. É muito caro não viver, na verdade. Isso é muito caro.
O PAC vai disponibilizar 1 bilhão de reais; podia começar a pensar em uma estruturação definitiva. Eu não posso continuar com essa estrutura improvisada e tentar agregar valores a uma coisa que não tem como agregar. Porque não é isso que vai tirar a discriminação das pessoas, o preconceito. Não é isso que vai fazer a polícia respeitar os indivíduos. A polícia respeita se toda a cidade é considerada formal. A cidade informal não merece respeito, por isso o Caveirão, outras desgraças que acontecem na cidade. Isso vale para todo o país, não é só para o Rio de Janeiro.
(*) Jornal Nacional, sábado (16/6):
“A polícia de São Paulo desmantelou uma das maiores quadrilhas de traficantes de drogas que atuava no estado. Os bandidos usavam o dinheiro do crime para comprar imóveis e empresas. (….) De acordo com a polícia, a quadrilha controlava a venda de cocaína em três regiões do estado e fazia grandes remessas para o Rio de Janeiro. Só neste ano, sete toneladas da droga foram entregues a traficantes cariocas. (….) Os criminosos também faziam compras freqüentes de armas, como metralhadora e pistolas. Uma gravação faz referências a isso.
– Por enquanto é só a ponto 40 e a 380, né?
– Isso! Aí eu já vou ver direitinho o que eu vou querer e já peço mais uma remessa pra você!”
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(Transcrição de Tatiane Klein.)