Esta é a íntegra da animadora entrevista concedida ao repórter Kennedy Alencar, da Folha, pelo jornalista Franklin Martins, indicado para chefiar o novo Ministério de Comunicação do Governo. Os principais trechos estão na edição de hoje do jornal.
Destaquei as passagens que me parecem mais reveladoras do espírito com que o veterano comentarista político vai para o outro lado do balcão. Se ele conseguir traduzir essa atitude em práticas concretas durante o seu mandato, o presidente Lula terá feito uma escolha de primeira e a imprensa não terá do que se queixar.
O ponto crítico do Ministério é que cuidará, além das relações do governo com a imprensa, da comunicação oficial e da pretendida rede de TV do Executivo, dessa nitroglicerina pura que são os muitos milhões gastos para veicular a publicidade estatal. [Leia a nota ‘O verbo e a verba’, publicada quarta-feira neste blog, em http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs.asp?id=
{49E248A0-0487-417D-9850-A7A18EEFF0D2}&id_blog=3 ].
Articulado e judicioso, Franklin não disse nada de essencialmente equivocado em relação a qualquer desses pontos. E disse, em relação a todos, muita coisa sensata. Em suma, leiam, julguem por si mesmos e guardem para conferir depois.
Folha – Por que o presidente o convidou?
Franklin Martins – A idéia do presidente é passar para a sociedade a idéia de que deseja ter uma relação de comunicação forte, mais intensa e mais profissional. Simbolicamente, ao chamar um profissional como eu, quis passar essa idéia. Comunicação é falar e ouvir. Não é só falar.
Folha – Lula é criticado por ter dado raras entrevistas coletivas no primeiro mandato.
Franklin – Isso correspondeu a um momento. O presidente tem dado entrevista quase todo dia, falando ao final dos eventos.
Folha – Mas foge ao formato de coletiva e às exclusivas em que pode haver o pingue-pongue entre entrevistado e entrevistador.
Franklin – Cabe o formato de coletiva, que não é para se fazer todo dia. O presidente fará uma coletiva em breve. E cabem essas entrevistas de saída de eventos em que dará a palavra do presidente sobre o assunto do dia, o que é fundamental para os jornalistas. E cabem os formatos de conversas com jornalistas e entrevistas para órgãos de imprensa. O presidente terá uma comunicação muito mais intensa e profissional.
Folha – E por que o sr. aceitou?
Franklin – Um pouco de vaidade com essa coisa de ser ministro. Gosto de desafios. Profissionalmente, estava no auge da minha carreira. Comentarista respeitado, prestigiado junto aos colegas e às fontes. Mas, no fundo, queria fazer coisas novas, diferentes. Tem a ver com as circunstâncias políticas do país. Passamos por uma crise política extremamente dura, selvagem em alguns momentos, e estamos saindo dela. Foram cometidos erros de lado, do governo e da imprensa. O povo brasileiro demonstrou maturidade. Quis a apuração dos fatos. Mas também olhou e disse: eu também quero que o país continue a melhorar, a enfrentar os seus problemas reais. Não vamos confundir disputa política com solução dos grandes problemas nacionais’. Isso baixou a intoxicação do debate político. Na campanha, quando os candidatos subiram de tom, tiveram queda nas pesquisas. O recado era ‘menos, gente’.
Lula venceu com grande vantagem, demonstrando que a opção do eleitor não foi fortuita. Mas o eleitor disse: ‘Não quero perder os avanços que nós temos devido a luta política tumultuada’.
Folha – Não foi só luta política. Houve escândalos de corrupção sérios. Houve o dossiegate. O sr. acha que a imprensa exagerou?
Franklin – Falando ainda como jornalista, não como ministro, a imprensa cumpriu um papel importante no primeiro momento da crise, forçando a realização das CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito). De certa forma, pautou os primeiros momentos. Trouxe à tona o caixa dois, os recebimentos de dinheiro por parlamentares. Entretanto, a partir de determinado momento, era preciso avançar e responder a uma questão crucial que eu repetia como um mantra nos comentários: ‘De onde veio o dinheiro do valerioduto?’ Por quê? Essa resposta permitiria que a investigação desse os passos seguintes. Hoje, não contamos a história. Há a suspeita. Evidente que o dinheiro do valerioduto foi para maior número de parlamentares do que o apontado pela CPI. O dinheiro havia sido aplicado para financiar troca de partidos, uma hipótese bastante plausível. Por que a CPI não quebrou o sigilo desses parlamentares? Não houve da parte da CPI esse interesse. E a imprensa não fez uma investigação independente para saber de onde veio e para onde foi o dinheiro do valerioduto, o que permitiu que o processo ficasse apenas com aparência de discurso político. A partir de um determinado momento, a imprensa parou de pautar a CPI e passou a ser pautada pela CPI. Prevaleceu não a investigação, mas o discurso. E a população percebeu isso e se afastou, o que é ruim, pois nos afastou de conhecer melhor e mais o que aconteceu.
Folha – Colocar numa mesma pasta a verba publicitária do governo e a relação com a imprensa não traz o risco de tentativa de manipulação política da mídia?
Franklin – Traz. Viver é muito perigoso, como dizia Guimarães Rosa. Risco sempre existe, mas não é um risco novo. Em todos os Estados da Federação, é assim. No governo federal, sempre foi assim. Já tivemos casos em que o porta-voz do presidente [diplomata Sérgio Amaral no governo FHC] era também quem controlava a verba de publicidade. E não houve nada demais.
Folha – No segundo mandato, FHC separou as funções. E Lula as deixou assim no primeiro mandato.
Franklin – O Sérgio Amaral controlou a verba de publicidade e isso não resultou em coisa escusa, malandragem. Não houve nada.
Folha – Separar publicidade e imprensa não é uma fórmula mais imparcial?
Franklin – A maioria esmagadora dos recursos de verba publicitária é das estatais. O governo não controla. As campanhas de publicidade do governo têm uma dimensão política e técnica. Vou indicar alguém da minha absoluta confiança, íntegro e com conhecimento do mercado de publicidade, com experiência de trabalho executivo, para cuidar da parte técnica. Serei responsável em última instância. Na dimensão política, deve-se discutir qual o sentido da campanha que o governo realiza ou vai realizar. Se há dúvidas sobre um programa social do governo ou uma medida do governo, talvez caiba uma campanha para esclarecer melhor. O acompanhamento da mídia é fundamental para sentir, por exemplo, se há dúvidas sobre o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Colhe-se isso também na relação com a imprensa, que expressa as mais variadas posições da sociedade. Uma eventual inflexão da propaganda poderá esclarecer tais dúvidas. É um conceito de unificação da comunicação do governo, não é para misturar dois guichês. Os guichês serão absolutamente separados. As empresas de comunicação no Brasil, de modo geral e em sua maioria, são empresas sérias. Não aceitariam misturar os guichês. Eu sou uma pessoa séria e não aceito misturar os guichês. O governo é sério e não aceita misturar os guichês.
Folha – Concorda com as teses do PT de que é preciso democratizar os meios de comunicação? Acha que deve ser estimulada a criação de veículos de comunicação simpáticos ao governo, dando-lhes financiamento oficial direto ou indireto?
Franklin – Essa questão de democratização dos meios de comunicação é uma fórmula na qual cabe tudo. Sou a favor, óbvio. Quanto mais democrática e plural a circulação de idéias na sociedade, melhor. Mas não cabe ao governo plantar, regar e colher órgãos de comunicação simpáticos a ele. Quem cria órgãos de comunicação é a sociedade. O governo tem uma função na relação com a imprensa: garantir a liberdade de imprensa. Ponto. O resto é a sociedade quem faz.
Folha – A rede pública de TV não corre risco de virar uma nova Radiobrás ou TV Voz do Brasil? Ela é necessária?
Franklin – É necessária. A intensidade com que essa discussão surgiu mostra que o país estava precisando discutir isso. Em qualquer discussão que se inicia, as posições, às vezes, vêm truncadas. Esse processo ajuda a avançar. O governo não pretende criar uma TV do governo, estatal. Mas estimular, fazer crescer e dar forma a uma rede pública de TV.
Folha – Com qual formato em termos editoriais, de gestão e de financiamento?
Franklin – Não vai funcionar guiada pela questão comercial. Isso coloca limitações para uma série de TVs que necessitam adquirir uma determinada escala de audiência e respondem a estímulos comerciais porque são empresas que visam lucro. Essas TVs privadas não podem entrar em determinadas áreas, fazer determinadas programações, que são importantíssimas.
Folha – Mas não é importante ter audiência?
Franklin – É importante. Estou falando de escala de audiência. Não tem obrigação de concorrer para liderar o horário nobre. Na Inglaterra, na época em que fui correspondente, havia duas TVs públicas, BBC 1 e BBC 2, e dois canais privados, ITV e Channel Four. A BBC 1, com programação mais educativa, competia com o Channel Four. A BBC 2, com a outra, que tinha programação mais comercial. A BBC 1 tinha audiência de seis e sete pontos, o que é um índice bom. Essa situação ajudava a melhorar o padrão de produção de todas as TVs. Os mecanismos de gestão e de financiamento devem ser discutidos e feitos com base na experiência exitosa de outros países e aqui, como a TV Cultura, por exemplo.
Folha – Quem vai escolher a diretoria?
Franklin – Evidentemente, a escolha inicial parte do governo. Mas o governo não precisa escolher os partidários do governo. Não existe ainda um formato definido. A discussão ainda não está madura. O que senti na conversa com o presidente é uma TV pública e não estatal. Plural e não partidária. Aberta para contribuição e presença das diferentes identidades regionais e não com uma programação de uma cara só. [Deve ter] programação variada, com jornalismo, com parte cultural voltada para cidadania. Isso é diferente da Radiobrás, que tem um papel que deve continuar, funciona como uma agência noticiosa do governo. Nesse aspecto, a gestão do Eugênio Bucci foi importante, sem caráter de chapa branca. Tanto que convidei-o para permanecer na Radiobrás. E ele ficou de me dar a resposta.
Folha – O governo deverá colocar recursos vinculados, haverá possibilidade de corte no orçamento dessa rede pública?
Franklin – Honestamente, ainda não tenho idéia. O governo vai ter de botar verba. Há discussões se vale a pena trabalhar com patrocínio privado, como existe na TV Cultura. Não publicidade comercial. Os modelos de financiamento e de gestão devem ser discutidos. Será bom para o Brasil ter uma TV pública. No Brasil, a gente se assusta com tudo que significa mudança, modernidade e novidade. Depois, descobre que é muito bom. Não sei por que o Brasil se assusta com a possibilidade de ter uma BBC.
Folha – As primeiras reações de parte dos veículos privados têm sido de reticência.
Franklin – Foram reações próprias de um debate inicial. Editoriais, como os da Folha, criticavam a TV do governo, mas, se for uma TV pública, a coisa muda de figura. Podemos discutir. Isso é parte do debate político. Estamos saindo de um momento muito tumultuado de disputa política. Passou a ser óbvio, de entrada, desqualificar a outra posição para não ter que entrar no mérito da discussão. O que mais quero como ministro da comunicação social é ajudar a qualificar o debate político, o debate público. Liberdade de imprensa não é só informar, mas também qualificar o debate público. Fazer com que se exprimam as diferentes posições da sociedade, que se choquem, e a sociedade escolha a melhor. Pode haver gente tão a favor da liberdade de imprensa quanto eu, mais a favor não tem. Meu pai foi jornalista e preso na ditadura Vargas por não aceitar o autoritarismo. Eu passei a minha juventude lutando contra a ditadura [militar de 1964]. A liberdade de imprensa é o nome que se dá ao direito de a sociedade ser informada.
Folha – Como diz o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, a Constituição deseja que a imprensa seja livre, não determina que seja justa.
Franklin – Isso. Quando a imprensa não é justa, ela paga um preço. Não é o Estado que paga. Paga pela crítica feita a ela pela sociedade. A imprensa também não está numa redoma. O presidente pode ser criticado, o ministro pode ser criticado, o papa pode ser criticado, a imprensa pode ser criticada e será criticada sempre que avançar o sinal. Quando ela avança o sinal? Quando vai além do trabalho de dar informação, de fazer circular a informação e de aumentar o debate público. Quando pretende puxar a sociedade pelo nariz para um lado e para o outro. Essa não é uma função da imprensa.
Folha – O sr. identifica veículos que avançam sinal hoje?
Franklin – A sociedade pode fazer essa crítica. Não sou eu quem devo fazer. Evidente, nesse período de crise, teve gente que se comportou de uma forma, teve gente que se comportou de outra. Dentro de nossas redações, há jornalistas que foram mais longe. Eu sempre disse que seríamos julgados pelo nosso comportamento, o que é positivo, não é ruim. A imprensa sairá melhor e já está saindo melhor dessa crise do que entrou. Como o governo está saindo melhor do que entrou. A crítica é o que faz pessoas crescerem desde que elas consigam perceber o que fizeram de errado. E quem critica a imprensa e muda a imprensa é a sociedade, não é o governo. Não é o leitor. O leitor de um jornal pode até estar gostando desse jornal. Mas o debate na sociedade pode levar aquele leitor a perceber que não era bem assim.
Folha – Como ministro, o sr. manterá o processo contra o jornalista Diogo Mainardi?
Franklin – Vou manter.
Folha – Por quê?
Franklin – Não estou fazendo nada contra a liberdade de imprensa. Manter o processo contra esse senhor não tem nada a ver sobre o que eu penso ou o que ele acha que eu penso. É um direito que ele tem. Isso não discuto. Entrei com processo contra ele porque ele me acusou de crimes. Me acusou de ter praticado tráfico de influência e de ter participado da quebra de sigilo do caseiro Francenildo Costa. Fez essas acusações sem nenhum elemento. Mais do que isso, ele e a revista dele [‘Veja’] se recusaram a publicar a minha resposta, a minha explicação. Que liberdade de imprensa é essa na qual um lado fala e sequer publica o outro lado? Fiz o que se faz em qualquer estado de direito. Quando acha que sua honra foi atingida, recorre à Justiça. Quem pode definir se essa honra foi atingida? Eu? O colunista da revista? Não, a Justiça. No processo, peço que seja publicada a minha resposta e peço reparação por danos morais.
Folha – Como ministro, não ganhará mais peso esse processo em seu favor?
Franklin – A Justiça não vai agir assim porque sou ministro. Pelo ritmo no Brasil, a Justiça só terá julgado esse processo depois que eu deixar de ser ministro. Ele terá toda a oportunidade de provar que todas as acusações de que cometi crimes são verdadeiras. E, se for isso, quem vai ficar mal sou eu. Ele também pode, se quiser, dizer: ‘Eu errei. Volto atrás’. Mas hoje em dia pega mal para ele. Acho que dificilmente o fará. Não vou abrir mão de defender a minha honra da única forma num estado de direito, que é ir à Justiça.
Folha – Esse episódio foi determinante para o seu afastamento da função de comentarista do ‘Jornal Nacional’ e da saída da Rede Globo?
Franklin – Não. Eu já havia deixado de ser comentarista do ‘Jornal Nacional’. A direção da TV Globo chegou à conclusão de que deveria tirar toda e qualquer opinião do jornal porque ele era basicamente informativo.
Folha – E em relação à saída?
Franklin – Fiz essa pergunta à direção, e eles disseram que não. A alegação que me deram é que eu estava com imagem fraca como jornalista, muita gente não me conhecia. Eu disse a eles que achava que a explicação não me convencia. A pergunta tem de ser feita à TV Globo.
Folha – O sr. tem mágoa da Rede Globo e de sua cúpula atual?
Franklin – Não. Tive oportunidades profissionais fantásticas na TV Globo. Trabalhei lá durante oito anos e meio. Fui comentarista dos principais jornais. Participei do núcleo que coordenou a cobertura das eleições de 2002, que foi um marco na história da TV Globo. Fui diretor de jornalismo em Brasília, sempre com uma relação excepcional com a Central Globo de Jornalismo. Portanto, sou grato à TV Globo. Aconteceu uma coisa que não entendo.
Folha – Como o sr. pretende se relacionar com a Globo?
Franklin – Digo sempre que não vou olhar para trás. Quem olha para trás vira estátua de sal. Tenho muitos amigos na Globo. Deve haver pessoas que não gostam de mim. Será um relacionamento profissional.
Folha – Qual é a sua avaliação da cobertura da imprensa de modo geral a respeito do governo Lula?
Franklin – Vou falar como acho que deve ser daqui para frente. Profissional, séria, crítica, sem preconceito.
Folha – O sr. está proibido de entrar nos EUA por causa do sequestro de Charles Elbrick?
Franklin – É uma versão que corre, provavelmente verdadeira. Mas nunca pedi visto para o governo americano, até porque imagino que não me dariam. Outras pessoas que estiveram na mesma situação que a minha, de seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, receberam sinais de que não conseguiriam.
Folha – O sr. vai com Lula para Washington no final do mês?
Franklin – Não sei. É uma questão secundária. Tanto os Estados Unidos quanto eu sobreviveremos a esse detalhe.
Folha – O sr. participou da luta armada contra a ditadura militar de 1964. Como avalia hoje aquele período? Valeu a pena? Foi o melhor caminho? Arrepende-se de algo? Faria diferente?
Franklin – Faria muitas coisas diferentes com a visão que tenho hoje. Não me arrependo do que é central. Lutei do lado certo. Lutei do lado da democracia contra a ditadura.
Folha – O manifesto dos seqüestradores do embaixador falava em matar carrascos e torturadores do regime militar. O que acha disso hoje?
Franklin – Fica difícil discutir porque hoje não existe uma polícia como um instrumento de opressão política do Estado sobre as pessoas. Hoje, as pessoas fazem oposição livremente, falam livremente. Naquele época, quem fizesse oposição ao regime estava sob o risco de ser preso, torturado e morto. Eram outras circunstâncias, circunstâncias de guerra. Com todas as suas diferentes nuances, o povo brasileiro superou a ditadura militar. Participei das manifestações estudantis de 1968 que praticamente inviabilizaram o modelo de ditadura que eles tinham. Então, partiram para o terrorismo de Estado aberto. Em 1974, a vitória do MDB, inviabilizou o terrorismo de Estado. As diretas, em 1984, inviabilizaram a distensão que pretendia manter uma ditadura sob controle. Estive do lado certo. Tenho o maior orgulho de ter lutado. Tenho um certo pudor de bater no peito e ficar proclamando, parece que estou contando vantagem. Tenho o maior orgulho de ter lutado contra a ditadura. Posso contar tudo o que fiz, inclusive os meus erros, para os meus filhos, os meus netos, discutir abertamente na sociedade. Os que estiveram do outro lado não podem. Vivi na clandestinidade cinco anos e meio. Vivi cinco anos e meio no exílio. No entanto, não vivo mais na clandestinidade. Muita gente que torturou e matou é clandestina até hoje, até para a sua família.
Folha – O sr. foi preso e torturado?
Franklin – Fui preso durante dois meses, mas não fui torturado. Saí um dia antes do AI-5 [ato institucional número 5, de 13 de dezembro de 1968, que suspendeu direitos políticos e tornou mais bruta a ditadura militar de 1964]. Se estou aqui até hoje, é porque sou um sujeito que teve muita sorte.
Folha – O sr. participou de alguma ação em que morreram pessoas? Matou alguém?
Franklin – Não, não.
Folha – Nas eleições, Lula chegou a dizer que desejava um acordo com a oposição, encontrar uma agenda comum. É possível haver algum entendimento entre PT e PSDB, duas forças com algumas características em comum, mas que se digladiam?
Franklin – No auge da crise, o Brasil correu o risco de perder uma coisa que ele construiu quase sem saber. E poderia ter perdido sem saber que construiu, que é uma agenda política comum nacional. Essa agenda tem cinco pontos. O primeiro é a democracia. Vamos resolver nossos problemas pela via democrática. Queremos eleições, queremos respeito aos direitos e garantias individuais. A oposição tem o direito de fiscalizar, mas não tem o direito de impedir o governo de governar. O governo tem o direito de governar, mas não tem o direito de impedir a opinião de se expressar. Se há uma direita no Brasil, o que se discute [risos], ela é mais democrática do que era antes. A esquerda é mais democrática do que era antes. O segundo ponto é a moeda. Queremos estabilidade monetária. Houve uma época em achávamos que podíamos conviver com a inflação alegremente graças ao overnight, ao gatilho salarial, à escala móvel de salário. O preço estamos pagando até hoje. Terceira questão: responsabilidade fiscal. Não basta o governante ir gastando e pendurar a conta no cabide ali em frente. Temos de ter seriedade com o dinheiro público. Quarta questão. Tudo isso é muito importante, mas é preciso crescer, gerar emprego, gerar oportunidades para a juventude. E a quinta é que não basta crescer. Temos de combater a exclusão social. Essa agenda vem sendo construída ao longo do tempo. Parte dela foi construída durante a ditadura. Parte no governo Fernando Henrique Cardoso. Parte no primeiro governo Lula. Essa agenda corresponde a um pensamento de 70% a 80% das forças políticas do país. A vantagem disso é que a luta política pode se dar num terreno razoavelmente delimitado. Nessa crise, quase jogamos isso pela janela. Se a crise tivesse ido um pouquinho mais longe e se o povo brasileiro não tivesse dito ‘calma, pessoal, eu não quero perder essa coisa’.
Folha – O que seria ter ido mais longe? A oposição patrocinar o impeachment do Lula? O Lula tentar dar uma guinada autoritária?
Franklin – Sim. Por que não partiram para o impeachment? Por que o Lula não endureceu? Porque a sociedade disse: ‘Não quero’. Temos essa agenda comum. Grandes programas que começam a dar certo são apoiados por muito mais partidos do que os que estão no governo. O Bolsa Família era tido como uma ‘Bolsa Esmola’. Hoje, a maioria das forças políticas reconhece que é um vigoroso programa de transferência de renda que deve ser mantido e aprimorado. É uma conquista que não dá para abrir mão. O atual programa de melhoria da qualidade da educação incorpora coisas que vieram do governo FHC. Nos últimos 25 anos, construímos coisas em comum e quase jogamos fora na crise.
Folha – Lula se queixa de FHC ter sido muito duro com ele na crise. FHC se queixa de Lula não ter mantido a cordialidade a que ele deu início com a transição de governos. O sr. acha que eles deveriam se encontrar e conversar?
Franklin – Os dois precisam conversar. Seria muito bom para os dois e para o país, mantendo as opiniões e divergências. Esse negócio de agenda comum não é aderir ao governo. A oposição está na oposição por vontade do eleitor. O governo está no governo porque o eleitor mandou. Cada macaco no seu galho. E, do seu galho, cada um pode conversar com o outro.
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