Se houvesse uma entrada no Livro Guinness de Recordes para a cidade onde mais se dizem coisas que pressupõem que os que as ouvem são incuráveis retardados mentais, dificilmente Brasília deixaria de levar a palma.
Ali, políticos e autoridades operam na base do “vai que dá”: dá para enganar muitos durante muito tempo. Não precisa ser todos o tempo todo. Assim como está, já está de bom tamanho para o exercício contumaz da tapeação.
Ontem se viu na TV e hoje se lê nos jornais a contribuição monumental do ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, para manter o status da capital federal como sede do descaso pela inteligência do público.
O ministro do PC do B, uma figura austera chegada a temperar as suas entrevistas com comparações históricas, ficou famoso na legislatura passada por defender o banimento de expressões estrangeiras sempre que o equivalente nacional desse conta do recado: liquidação, sim, sale, não; entrega, sim, delivery, não, e assim por diante. Em 2002, houve quem votasse nele apenas por seu empenho na defesa do nosso colonizado idioma.
E foi com irretocável sintaxe que ele tentou ontem colocar o cone de bobo na cabeça do povo. Escalado para apresentar a posição do Planalto sobre a bombástica denúncia do deputado Roberto Jefferson de que o PT pagava um “mensalão” a deputados do PL e do PP, declarou, impassível:
“É bom deixar claro que não há nenhuma acusação que relacione o pagamento de parlamentares ao governo. A denúncia refere-se a um hipotético pagamento de um partido a parlamentares de outros partidos.”
Pessoalmente, apreciei em especial o “é bom deixar claro” — que o partido hipoteticamente pagador, o PT, não tem nada a ver com o governo, e que os parlamentares hipoteticamente recebedores não fazem parte das bancadas da base governista na Câmara. Então, tá, como se diz.
Manchetismo danado
Sendo Brasília o que é, há sempre espaço para mais um de uma enrolação por dia. E o segundo prêmio da série “vai que dá”, de ontem, cabe, sem favor nenhum, ao procurador-geral da República, Claudio Fonteles.
Discursando numa solenidade, o catolicíssimo homem da lei criticou a mídia por dar destaque ao tema da corrupção no governo Lula. Primeiro ele disse que “a imprensa hiperavalia isso, faz um manchetismo danado”.
Curioso personagem o doutor Fonteles. Num dia ele pede que o Supremo Tribunal Federal investigue ninguém menos do que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. No outro, pede o mesmo em relação a ninguém menos do que o ministro da Previdência, Romero Jucá — nos dois casos, com quebra do sigilo bancário dos indigitados. No outro dia ainda, ele vem e diz que a imprensa fala alto demais de corrupção.
Queria Sua Excelência que a imprensa falasse alto do quê, ontem? Do lançamento, prestigiado pelo presidente da República, de um programa de financiamento da Caixa Econômica de máquinas de costura para costureiras?
Depois ele disse que “a crise é o alimento da democracia. Só o ditador não gosta da crise.” Que é isso, doutor? Viajou?! Crises só alimentam quem tenha a ganhar com elas, o que não costuma ser o caso das democracias -– pelo menos daquelas ainda pouco rodadas.
A vantagem das democracias sobre as ditaduras, no caso, é que, quando funcionam direito, permitem que se administrem as crises sem afundar as instituições. Quanto a presidentes gostarem de crises, vai ver que foi por isso que Lula pediu café forte e fumou uma cigarrilha atrás da outra ontem cedo em São Paulo, na festa para as costureiras, enquanto a Folha, decerto hiperavaliando a entrevista com o deputado Jefferson, fazia disso um manchetismo danado.
Não adianta: a culpa é sempre do mensageiro.