O artigo de Gilberto Dimenstein na Folha de hoje, ‘Por que me sinto desrespeitado’, é a segunda importante manifestação na mídia impressa paulistana sobre o parentesco entre a tragédia do desabamento da obra do metrô em Pinheiros e este horror cotidiano que se chama São Paulo.
A primeira manifestação, também na Folha, foi o artigo de Clóvis Rossi, ‘E havia uma bala na agulha’, publicado segunda-feira.
Nada a discordar de um e de outro. Mas é pouco para o tamanho do buraco em que jaz em São Paulo qualquer coisa parecida com qualidade de vida para a maioria e também para amplas minorias da população.
Aqui o desrespeito real e as balas na agulha, reais e metafóricas, se somam ao caos arquitetônico, à espantosa feiúra da paisagem edificada (com milagrosas exeções), ao ar empesteado que faz a fortuna dos pediatras e alergistas, à miséria onipresente e à cafajestice das pessoas de todas as classes – mas principalmente daquelas que podem mais – que expulsou o que a cidade pudesse ter tido de civilidade em outros tempos.
Saudosismo? Experimente atravessar uma rua quando o sinal está aberto para você e também para os carros que podem virar à direita ou à esquerda enquanto você segue pela faixa de pedestres. Se reclamar dos motoristas que não se detêm, eles lhe mostrarão risonhamente o dedo. É isso ou ser atropelado.
Uma vez vi uma raridade absoluta: um carro na contramão da medonha falta de respeito às pessoas. O motorista, entrando à esquerda, deixava passar os transeuntes que seguiam em frente. Do carro de trás, buzinaria e xingamento: ‘Deixa de ser puxa saco, seu idiota’.
Outra vez escrevi no Estado um artigo elogiando o recém-criado Código de Trânsito Brasileiro. Um leitor paulistano comentou em carta que eu queria o quê: transformar o país numa Suécia?
E tem a selvageria dos motoqueiros: o fato de eles precisarem voar porque ganham por entrega no tempo que lhes determinam os empregadores explica apenas em parte o seu comportamento delinquente.
Por aí vai. Você é desconsiderado por uma legião de primitivos – desde os funcionários robotizados das burocracias públicas e privadas até os comerciantes que põem a circular carros com alto-falantes apregoando a todo volume os seus produtos, a qualquer hora.
Tudo coroado por um bairrismo feito de insensibilidade, egoísmo, prepotência e analfabetismo cívico que a mídia rotineiramente varre para debaixo do tapete nos editoriais ufanistas sobre a metrópole quando ela faz aniversários redondos (o último deles foi em 2004 – 450 anos).
É verdade, como ensina o tango, que el mundo siempre fue una porquería. Mas não conheço nenhuma cidade do porte de São Paulo, num país com o grau de desenvolvimento do Brasil, que seja ao mesmo tempo tão feia, suja e malvada.
Não corre perigo de melhorar – até onde a vista alcança.
O artigo de Gilberto Dimenstein está disponível, apenas para assinantes da Folha ou do UOL, em www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1701200724.htm
O de Clóvis Rossi, com as mesmas limitações, em www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1501200716.htm
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