A Folha noticia hoje, como se não tivesse nada com isso, que foi um tenente e não um sargento o trapalhão que detonou o sistema de controle do tráfego aéreo no país no começo do mês.
O jornal omite ter publicado a versão original, acusando o sargento.
À época, a Folha atribuiu a acusação a ‘fontes militares’ não identificadas.
Hoje, diz que a Aeronáutica não negou aquela versão. E cita sargentos do setor, também não identificados, segundo os quais os seus superiores ‘sistematicamente encobrem seus próprios erros e culpam a patente inferior, os sargentos, pelos problemas ligados ao recente caos aéreo’.
Tendo vendido ao leitor sargento por tenente, o jornal não informa se voltou às tais ‘fontes militares’ que lhe repassaram a patranha – se é que a nova versão é de fato a verdadeira – para saber o que teriam a declarar agora, publicando as suas eventuais respostas.
Tampouco informa se foram elas, as fontes, que tomaram a iniciativa de procurar o jornal para entregar o sargento, ou se o jornal foi que chegou a elas.
Em matérias baseadas em informantes anônimos, o público tem o direito de saber, pelo menos:
1. Tudo que há para dizer deles, menos os seus nomes, em respeito ao compromisso com o sigilo. No caso, não bastou escrever, sumariamente, ‘fontes militares’: deu no que deu.
2. Quantos foram os informantes entrevistados. Não raro o repórter ouve apenas uma pessoa, mas se refere a ela no plural, ou dribla o problema com eufemismos espertos do tipo ‘acredita-se nos meios políticos que…’.
3. Por que os informantes exigem o anonimato. Foi o que o New York Times passou a fazer sistematicamente em matérias de origem não identificada, desde que partidários da invasão do Iraque disseram ‘em off’ ao jornal que tinham provas das armas de destruição em massa de Saddam. A mentira virou verdade – até ser desmentida.
No jornalismo, o sigilo da fonte é inevitável – ainda bem, porque permite a quem sabe de coisas que o público também precisa saber abrir o jogo sem se expor a represálias. Se assim é, o jornalista tem a obrigação profissional de dar ao leitor o máximo de indicações colaterais que lhe permitam julgar se a informação de origem anônima merece muita, pouca ou nenhuma confiança.
É da natureza do jornalista correr para chegar na frente da concorrência com a notícia que lhe parece quente. Mas isso não o exime, muito ao contrário, de se perguntar a cada passo do percurso se ele não está sendo usado pelo informante encapuzado para promover os seus interesses, mesmo quando legítimos.
Pessoas mentem, e costumam a mentir tanto mais quando percebem que podem plantar na imprensa o que lhes convém, para se promover ou se proteger, tanto faz.
Ainda que o repórter acredite na fonte que permanecerá oculta – o que tende a fazer, pois do contrário não teria mercadoria a entregar – o seu compromisso primário continua sendo com o leitor. Em nome disso, a sua matéria deveria deixar sempre uma brecha aberta para que se admita que ela não é necessariamente a verdade absoluta em letra de forma.
Queira ou não, o órgão de imprensa é co-responsável pela informação que aceitou passar adiante sem revelar quem a forneceu, com nome e sobrenome. No caso da matéria sobre a culpa pelo apagão aéreo, a Folha, agora se vê, fugiu dessa responsabilidade – e nem se deu por achada.
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