Esta semana dois grandes jornais ingleses publicaram manchetes anunciando a vitória de Barack Obama nas eleições primárias do Partido Democrata, no estado norte-americano de New Hampshire, quando a maioria dos seus leitores já sabia, via Internet, que a vencedora fora a senadora Hillary Clinton.
O fuso horário e a pressão do fechamento de edições sempre foram o Calcanhar de Aquiles dos encarregados das primeiras páginas de jornais, mas agora, na era da internet, as chamadas “barrigas”[1] se tornaram ainda mais vexaminosas, por conta do acesso à informação em tempo real, em qualquer parte do mundo.
Ainda neste início da ano, a revista norte-americana de variedades Parade, cujos 32 milhões de exemplares circulam encartados em 400 jornais dominicais nos Estados Unidos, saiu com uma manchete sobre a ex-primeira ministra paquistanesa Benazir Bhutto, vários dias depois dela ser assassinada.
A matéria com a entrevista foi impresssa no dia 21 de Dezembro, o atentado terrorista aconteceu no dia 27 e a edição circulou no dia 6 de janeiro. Foi uma gaffe involuntária e imprevisível , mas gerou uma onda de ironias por parte de blogueiros e explicações relutantes de editores.
Os embaraços enfrentados pelos jornais The Independent e Telegraph, ambos de grande circulação e credibilidade, são o resultado de uma espécie de recaída na velha cultura do “furo” jornalístico, típica da época em que a imprensa escrita era a dona absoluta da notícia.
Quando a televisão e o rádio tiraram dos jornais a primazia na divulgação de fatos relevantes, tornou-se obvio que os veículos impressos teriam que compensar a sua lentidão operacional com maior contextualização das informações.
Mas a cultura do furo estava entranhada demais na rotina das redações e mais de 50 anos depois, ela ainda continua forte, tanto que é comum os editores das primeiras páginas apostarem na previsão com forma de concorrer com a radio e TV.
Com o advento da internet e das notícias em tempo real, via web com alcance planetário, a televisão convencional também perdeu o privilégio do furo jornalístico, aumentando o dilema dos jornais impressos.
Diante da avalancha informativa gerada pela internet parece não restar aos jornais outra alternativa senão trocar a excitação da novidade pela preocupação com o contexto. Já que os jornais não podem mais ser os primeiros, sua opção deveria ser pela qualidade, ou seja, pela informação com causas, conseqüências, beneficiados e prejudicados.
Só que isto exige mais massa cinzenta e experiência do que sola de sapato e preparo físico. Exige mais pesquisa, equilíbrio e reflexão do que adivinhação e especulação. O problema é que a maioria dos jornais prefere os baixos salários de profissionais em inicio de carreira do que remunerar a experiência e qualificação, notoriamente mais caras.
Contextualizar a informação significa reduzir a preocupação com o imediatismo para apostar na investigação jornalística de causas e na exploração dos desdobramentos, na identificação dos responsáveis e na sinalização dos beneficiados, diretos e indiretos.
Para que isto possa ser feito em ritmo de jornal diário, as redações devem ser novamente infladas, porque com os efetivos atuais, mal dá para atender à frustrante rotina de buscar o ineditismo. O perfil do profissional de jornal deve também mudar para refletir a preocupação com o conteúdo informativo, em vez da inútil correria atrás de noticias que os blogueiros divulgam em questão de minutos.