A questão está sendo acompanhada apenas por especialistas na telefonia móvel, mas o problema vai afetar a todos nós, mais cedo ou mais tarde. O que está em jogo são vários bilhões de dólares e uma difícil escolha: a existência de direitos autorais favorece ou impede a inovação tecnológica.
A polêmica começou no final de junho passado quando um consórcio de mega empresas como a Microsoft, Apple, Sony, Research in Motion (RIM) e Ericsson pagou 4,5 bilhões de dólares por um pacote de seis mil patentes relacionadas à telefonia celular, internet móvel, conexões 3 e 4 G, redes óticas e telefonia por internet que foram leiloadas pela falida empresa canadense Nortel.
A bilionária aposta do mega-consorcio é pelo menos tres vezes maior do que o valor das patentes no mercado mundial, mas foi pago para evitar que a empresa Google, que aspira um quinhão maior no loteamento do espaço cibernético para crescer mais ainda depois de controlar 90% do mercado mundial de buscas na internet.
A negociação está agora sendo investigada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos sob a suspeita de que a transferência de patentes não tenha nada a ver com desenvolvimento de novos produtos, mas sim única e exclusivamente com uma manobra para bloquear o crescimento de outra empresa. Isto contraria todo o espírito original do sistema de patentes criado pelos gregos, 500 anos A.C. para proteger inventores e artistas e que acabou se tornando uma das peças obrigatórias do capitalismo contemporâneo.
A Google havia oferecido 900 milhões de dólares pelo pacote da Nortel e agora alega que seus concorrentes esqueceram rivalidades passadas para assumir o controle de patentes que podem frear o crescimento do Android, o sistema operacional que já domina 48% do mercado de telefones inteligentes (smartphones) na Eruopa, Estados Unidos e Ásia. Aqui no Brasil, o sistema Symbian, da Nokia, ainda é o mais usado nos smartphones.
Nesta guerra não há ingênuos porque tanto a esdrúxula aliança de adversários históricos como a Microsoft , Apple e RIM, como o ameaçador crescimento da Google na telefonia celular e nas buscas na Web, estão vinculados a estratégias de controle da comunicação móvel que já surge como a grande novidade tecnológica depois da digitalização e da internet.
Só que esta guerra de foice no escuro pode ter um desdobramento imprevisto, que é o questionamento crescente da eficiência das leis e normas sobre o controle de marcas e patentes. Até agora o registro de patentes e direitos autorais era uma espécie de mantra sagrado de empresários, pesquisadores, escritores, compositores e de todos aqueles produtores independentes de bens e serviços.
O processo de inovação constante e acelerada provocado pela digitalização, automação e pela internet criaram um ambiente onde a troca e recombinação de dados, informações e conhecimentos foi tremendamente facilitada. Com isto ganharam impulso iniciativas de desenvolvimento coletivo e colaborativo de programas e sistemas informáticos, alguns dos quais ocupam hoje um papel importante no quotidiano das pessoas como o sistema operacional Linux, que move mais de 59% dos computadores corporativos no mundo inteiro e o programa Apache , que controla a maioria dos projetos de correio eletrônico.
Dai surgiram propostas de alteração dos códigos e regulamentações de direitos autorais para permitir mais liberdade e velocidade na troca de informações e com isto garantir o dinamismo inovador da chamada nova economia digital. As principais resistências se localizaram na indústria fonográfica e nos softwares residentes desenvolvidos pela empresa Microsoft, criadora do sistema operacional Windows e do editor de textos Word, entre outros softwares. As gravadoras ainda não jogaram a toalha, mas sofreram sucessivos revezes provocados principalmente por aqueles que seriam os seus principais clientes, os artistas. Músicos e cantores estão descobrindo que ganham mais com shows promovidos pela distribuição gratuita de novas musicas do que com a venda de CDs.
Por outro lado, a Microsoft e as demais empresas apoiadas na comercialização de softwares residentes sofrem o impacto do crescimento da chamada computação em nuvem, onde os programas estão disponíveis na Web para uso gratuito ou por aluguel. A empresa Google tem como objetivo estratégico organizar a informação disponível no planeta ao promover softwares baseados no uso coletivo na “nuvem”, por meio do qual ela conquista usuários que por sua vez são transformados em clientes potenciais para faturamento publicitário. É uma fórmula inovadora que vem gerando lucros enormes e que põem em cheque o modelo convencional tanto de administrar capital intelectual como de ob ter receitas com anúncios.
A Google está hoje sob um duplo ataque. Por um lado são as grandes empresas concorrentes que tentam obstruir a expansão da gigante das buscas na Web usando a questão do copyright e das patentes como uma arma comercial e não apenas como um princípio. Por outro estão os cidadãos comuns que lentamente estão se dando conta do poder avassalador que a Google passa a ter na medida em que acumula volumes cada vez mais fantásticos de informações pessoais, empresariais e governamentais.
A batalha deflagrada pela ação da aliança liderada pela Microsoft, Apple e Sony terá consequências mais amplas do que um mero choque de interesses comerciais. A aliança pode fazer com que a expansão do Android, da Google, sofra uma desaceleração, mas dificilmente provocará a derrocada do sistema operacional, que está aberto a desenvolvedores.