Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Hora de mergulhar no pré-sal

Pode parecer óbvio, mas nem sempre o óbvio é aparente: durante muito tempo o pré-sal será o mais importante assunto do noticiário econômico brasileiro.


Já agora a imprensa tem duas senhoras pautas pela frente.


Uma é cobrir a construção das decisões que o governo se prepara para tomar sobre as regras do jogo da exploração dessas jazidas de petróleo estimadas em 50 bilhões de barris e cuja extração custará algumas centenas de bilhões de dólares.


Outra pauta, absolutamente indispensável para envolver o público no debate sobre os prós e contras das alternativas possíveis, é explicar, tornar a explicar, explicar ainda uma vez e outra, pelo menos aqueles aspectos da questão que, se não forem comprendidos, nada do resto será.


Acompanhar o processo de escolha do governo, neste caso, é percorrer um campo minado por monumentais interesses. A cúpula do Planalto; a equipe interministerial encarregada de sugerir como é que o Brasil vai se apossar do tesouro enterrado a 7 mil metros de profundidade, a 200 quilômetros da costa, do Espírito Santo a Santa Catarina; a Petrobras; a tecnocracia pública e privada do setor; as lideranças partidárias; as forças econômicas que procuram influir direta ou indiretamente nas decisões – o que todos e cada um desses protagonistas querem da imprensa é que se torne porta-voz das suas convenências.


É mais fácil para um repórter achar petróleo debaixo da mesa de trabalho do que achar uma fonte isenta nessa história. Entendam-se por isentos os envolvidos que contem ao jornalista as coisas como elas são – e não como eles desejam que venham a ser, com a cumplicidade involuntária da mídia.


É possível, quem sabe, que algo no gênero esteja por trás da matéria da Folha que deu manchete de primeira página na quarta-feira (20/8), segundo a qual o presidente Lula teria dito, numa reunião com políticos aliados, que tinha batido o martelo a favor da criação de uma estatal para administrar a exploração do pré-sal. No mesmo dia o presidente desmentiu, dando a entender que prefere manter as suas opções em aberto até a enésima hora – o que não prova nem desprova que ele falou o que lhe atribuíram.


Aliás, não está claro se essa estatal, inspirada na norueguesa Petoro, virá para cuidar da exploração – sem “furar poço” ela própria –, dos rendimentos do petróleo extraído, ou das duas coisas. Conforme a matéria ou artigo que se leia esses dias, será aquilo ou isso.


O essencial é a mídia não se deixar capturar por qualquer dos setores participantes da montagem do que se chama pedantemente ‘arcabouço institucional’ para a procura e retirada desse petróleo que o presidente acha que é tanto, mas tanto, que dará para “acabar definitivamente com a pobreza no país e recuperar o tempo perdido com a falta de investimento na educação”.


Por mídia entenda-se agora, especificamente, a apuração dos fatos. Se eles chegarem ao leitor com razoável fidedignidade, poderão servir de contrapeso aos editoriais e artigos opinativos que se deixarem capturar por tais ou quais interesses – ou simplesmente se identificam com eles por motivos mantidos distantes das vistas do leitor.


A história precisa ser contada à medida que acontece. O público não pode ser confrontado um belo dia – provavelmente depois das eleições municipais, segundo o Valor – com a informação de que o governo enfim resolveu o que tinha de resolver em relação ao pré-sal. Tanto mais a sociedade poderá interferir nesses processos, como é seu direito, quanto mais ela estiver a par de seu desenvolvimento. Para decisões acabadas, basta o Diário Oficial.


A segunda pauta mencionada na abertura deste texto – a da explicação – exige da imprensa um didatismo que ela raramente tem paciência e espaço para exercer.


Salvo o pessoal do ramo, quantos de nós fazem idéia do que significa – em termos tecnológicos, operacionais e econômicos – localizar, mapear e extrair petróleo do fundo mais fundo do mar?


Singelamente, quantos de nós sabem, para começo de conversa, o que é “pré-sal”?


Há pouco, numa conversa, um professor universitário disse que pré-sal é a primeira camada abaixo do leito do oceano. Esse nível é o do pós-sal. Depois é que vem o sal e o pré-sal. Deve fazer alguma diferença para a formação de opiniões sobre a política de petróleo que vem aí saber o básico daquilo de que se trata.


A imprensa tem duas formas que se complementam para fixar conhecimentos. (Publicar um suplemento especial num domingo qualquer e com isso dar a tarefa por concluída não vale.) Uma forma é enxertar as explicações nos artigos noticiosos do dia – se não todos os dias, quase. Outra é de publicar e voltar a publicar quadros, infográficos, destaques, ou que nome tenham os textos tira-teima que margeiam o noticiário.


Exemplo. A convite do governo da Noruega, repórteres da Folha, Estado e Valor mandaram de Oslo boas matérias – boas mesmo – sobre o “modelo norueguês” da economia do petróleo, com ampla presença do Estado. Vêm a calhar, já que esse deve servir de base para o modelo para o pré-sal, se for de fato diferente da lei do petróleo de 1997. Mas só a Folha publicou ao lado da reportagem uma lista de 10 perguntas e respostas sobre o que pode mudar no setor no Brasil.


Desde “Qual a função da nova estatal?” até “Qual o tamanho das reservas do pré-sal?”, passando por “Como serão licitados os campos do pré-sal?” e “A renda do petróleo ficará com quem?’


É por aí. Só que precisa mais do mesmo – e sem medo de ser repetitivo.