A pedido do Observatório, o jornalista Aydano André Motta, do O Globo, escreveu sobre equívocos que conduziram a cobertura jornalística dos problemas de segurança pública às dificuldades atuais. Hoje, no Rio de Janeiro, repórteres já não podem mais circular em determinados lugares. Como reportar sem ver e ouvir?
Aydano se refere a uma mentalidade que está ilustrada no recorte copiado ao pé de seu texto.
Aydano André Motta tem 40 anos, é jornalista há 20, trabalhou no Jornal do Brasil, em Veja, em Istoé e no Globo, onde é redator. Colabora em diversas revistas em todo o país e é diretor do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro.
Imprensa é imprensa, bandido é bandido
Aydano André Motta
Uma frase marcante que o uso transformou em clichê espreita a cobertura jornalística da violência carioca, quando se olha com um pouco de perspectiva histórica. ‘Seja marginal, seja herói’. Hoje inapelavelmente datado, o aforismo de Hélio Oiticica serve de emblema ao comportamento da imprensa durante bom período da longeva escalada dos traficantes na vida do Rio de Janeiro. Por vários anos, os encarregados de cobrir o tema deixaram-se influenciar por um horror a qualquer tipo de repressão, nascido na truculência da ditadura militar.
Os jornalistas demoraram demais a entender que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Por anos, abusaram de um salvo-conduto tácito, que lhes permitia entrevistar bandidos drogados e armados até a alma. O troco saía impresso – descrições hiperbólicas do poder dos marginais, e relatos românticos do comportamento deles nas comunidades miseráveis que tomam os morros do Rio.
O fascínio, pior, era de coração. Reportagens como a ‘moda Naldo’ (do Jornal do Brasil, a partir da foto de um traficante numa laje da Rocinha, de capuz branco e metralhadora em punho, nos anos 80) ganhavam destaque, e ninguém pensava no dano que se estava fazendo aos cidadãos de bem com o que a olho nu parecia somente uma ‘matéria leve’. Histórias poéticas, que promoviam traficantes a Robin Hoods contemporâneos espalhavam-se jornais adentro, ajudando a criar personagens mitológicos – ‘heróis’, para Oiticica virar profeta.
Muitos coleguinhas ainda usavam drogas – não dá para esquecer, infelizmente – mas o vício não era relevante para a barbeiragem nas páginas. A irresponsabilidade continuou, até surgir o mártir que devolveria as pessoas à rota do bom senso: Tim Lopes. Queimado vivo numa sessão de tortura no alto de um morro da Zona Norte, onde produzia mais uma reportagem investigativa, o jornalista da TV Globo ensinou com a tragédia um princípio das guerras: quem não está de um lado, está do outro. Simples assim.
Os jornalistas – a maioria deles, ao menos – aprenderam a lição e mantêm a bandidagem na mira do senso crítico. Alguns jornais, inclusive, há alguns anos não divulgam as siglas de facções criminosas, varrendo uma informação desnecessária, propaganda gratuita do mal. E outra frase lendária, esta de um marginal – ‘Polícia é polícia, bandido é bandido’, do assaltante Lúcio Flávio Villar Lírio – ganhou nova versão: Imprensa é imprensa, bandido é bandido.
Mas estamos apenas no começo, especialmente quando se observam os danos de um passado tão equivocado.
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A reportagem de onde foram tiradas as imagens abaixo foi publicada no Jornal do Brasil em 28 de março de 1988. Aydano André Motta e eu, Mauro Malin, trabalhávamos ambos no JB. Ele chegando, eu saindo (pela segunda vez; a primeira foi em 1970). Nessa época eu fazia um trabalho de crítica do texto e da edição que me valeu cicatrizes na memória.
Revendo guardados, constato: muitos reparos que fiz eram bobos, picuinha. Outros eram imperativos. Um título como “Marinheiro não precisava ter matado a família” terá lugar de honra em qualquer antologia do besteirol de imprensa. O primeiro parágrafo era assim: “O mestre-arrais Francisco Carlos de Assis, 32, que na sexta-feira matou a tiros a mulher Marizete, 28, os filhos Darc, 4, e Dávila, 1, e a amante Roseli de Araújo Silva, 24, por achar que todos estavam contaminados com o vírus da Aids, cometeu todos os crimes à toa”. Etc. (JB, 4/11/1987).
Fui crítico acerbo do fenômeno a que se refere Aydano no preciso texto acima. Ele é ilustrado pelo recorte reproduzido a seguir. O título expressa admiração pelos bandidos. Assim também a legenda da foto: “O carro-forte, com o pneu dianteiro furado: imagem de um assalto rápido e ousado, executado por profissionais”.
Eis como começava a reportagem: