A salvação dos jornais não está nos favores governamentais e nem em novos negócios privados mas na prestação de serviços ao leitor. Esta verdade acaciana, que chega às raias do óbvio, é sistematicamente negada pela indústria dos jornais, não só aqui no Brasil, como na maior parte do mundo.
Há toda uma cultura empresarial nos jornais brasileiros que obstrui o seu relacionamento com os leitores. O primeiro grande obstáculo foi a estratégia de vender público a anunciantes, como forma de obter receitas de publicidade. Isto equivale a transformar o leitor em mera moeda da troca, sem levar em conta necessidades e desejos dos compradores de jornais.
O segundo obstáculo, é o mito de que os jornais sabem o que é bom para seus leitores. Mito porque os jornalistas são treinados para produzir notícias e não tem a formação sociológica ou psicológica para interpretar o que as pessoas desejam ou necessitam. Além, do mais, esta postura está na base do que muitos leitores chamam de arrogância da imprensa.
A indústria dos jornais é uma das que apresenta o menor grau de transparência no setor produtivo privado. Ela não divulga números de sua performance financeira para os leitores. Faz isto apenas em casos especiais e para outros segmentos corporativos, como a publicidade, que exige dados para poder justificar a novos negócios.
Os leitores só são levados em conta quando os jornais se envolvem em alguma guerra publicitária para impressionar anunciantes. Aí surgem as estatísticas sobre tiragem de exemplares diários, dominicais, de revistas semanais, audiência na TV e rádio. Mas não é por causa do leitor, e sim dos anunciantes.
A obviedade da opção primária pelo leitor foi destacada esta semana pelo polêmico documentarista norte-americano Michael Moore cujo prestígio está apoiado na provocação à ícones do mundo corporativo contemporâneo. Michael resolveu apontar sua metralhadora verbal contra a indústria dos jornais nos Estados Unidos, usando como pretexto o lançamento do seu novo filme Capitalism, a Love Story (Capitalismo,uma história de amor).
O documentário é sobre a chamada “turbulência global” do ano passado mas o autor de Bowling for Columbine e Sicko acusa a imprensa de seu país de ter abandonado os seus leitores para aliar-se às grandes corporações enquanto na Europa, a maior parte da imprensa manteve, segundo ele, o foco nos público.
Num texto publicado esta semana pela revista online canadense National Post , o premiado documentarista foi bombástico ao afirmar que o “capitalismo matou a imprensa norte-americana” e fez uma previsão ousada: “Dentro de dois anos não haverá mais jornais diários nos Estados Unidos porque o leitor médio já não sentirá mais necessidade deste tipo de publicação”.
Os dados da performance financeira da imprensa americana são quase óbvios em suas conseqüências. O The New York Times, o mais respeitado jornal norte-americano, tinha, em 2004, 27% de sua receita proveniente da vendagem em bancas e assinaturas. No mesmo ano, a publicidade participava com 67% do faturamento do jornal.
Cinco anos mais tarde, a participação da venda direta no faturamento do jornal subiu para 39% e a da publicidade caiu para 54%. A consequência foi uma queda de 14% no faturamento líquido total, o que obrigou o Times a aumentar os preços em banca de US$ 1,25 (R$ 2,25) para US$ 2.00 (R$ 3,68). Um anuncio de página inteira num jornal regional importante nos Estados Unidos (o equivalente a Zero Hora, Correio Braziliense ou Estado de Minas) caiu de US$ 15,000.00 , no final dos anos 90, para US$ 4,000.00 (cerca de R$ 7.500,00).
Estes dados não estão disponíveis aqui no Brasil porque a indústria dos jornais não está minimamente preocupada com a transparência de seus negócios. Assumindo que inexiste uma razão ilegal para este sigilo, não há outro motivo plausível para justificar a ausência de uma discussão aberta e franca sobre o futuro dos jornais no Brasil, com base em dados reais fornecidos pelas próprias empresas.