A campanha para as eleições de 2010 acaba de ganhar mais uma atração capaz de alimentar o farto anedotário protagonizado por senadores e deputados federais. Como se já não bastasse o permanente bate boca em plenário, começamos a assistir a cômica participação de parlamentares no debate sobre regulamentação da internet.
Sim, é cômica porque os nobres representantes do povo ainda não se deram conta da posição ridícula que estão assumindo ao tentar legislar sobre algo que desconhecem e que no fundo gostariam que não existisse. Propõem coisas inviáveis e irreais deixando visível seu total despreparo para tratar com um tema que está mudando a nossa forma de viver.
Se faltava um exemplo de como os políticos brasileiros, com raríssimas exceções, não estão à altura dos dilemas enfrentados pela nação, este é o da internet. É triste por um lado, porque mostra até onde foi o divórcio entre os políticos de Brasília e o resto do país, por outro, oferece aos eleitores brasileiros uma oportunidade rara para testemunhar as acrobacias canhestras de senadores e deputados para tentar mostrar que são capazes de legislar sobre questões complexas.
A questão da internet é um divisor de águas na política brasileira porque pela primeira vez na história recente, as elites partidárias e os lobbies instalados no Congresso Nacional estão sob a ameaça de perder o controle sobre segmentos influentes do eleitorado brasileiro.
A ameaça não é devida ao surgimento de um novo partido, de um novo movimento revolucionário ou de uma potência externa. O descontrole surge de algo muito mais simples, quase prosaico: uma tecnologia que deu às pessoas o poder de expressar suas opiniões sem depender da mídia institucional.
Cerca de 70 milhões de brasileiros tem acesso à internet atualmente, mas o núcleo mais ativo de internautas não passa de uns 15 a 20 milhões. Acontece que estes fazem parte do segmento da população que exerce maior influência na formação de opiniões e na definição da agenda eleitoral. São profissionais liberais de classe média e jovens de todas as categorias sociais.
Um perfil demográfico como este não garante uma renovação total da elite política do país, porque nas regiões mais pobres, o caciquismo político ainda prevalece e vai se manifestar nas eleições de 2010. Mas no Brasil urbanizado, a mudança já começou e tende a ganhar velocidade movida pela rapidez com que a internet circula as informações e, em especial, o boca a boca político.
As trapalhadas protagonizadas por senadores como Marco Maciel e Eduardo Azeredo na tentativa de colocar um “cabresto” na Web e nos seus usuários, mostram o despreparo de parlamentares experientes no trato de uma questão que cresceu sem eles se darem conta e que agora ameaça o controle que sempre tiveram sobre as decisões nacionais.
O que está em jogo no debate sobre propaganda eleitoral na internet é a questão do controle dos políticos sobre as regras do jogo. Só que eles tentam aplicar velhos processos à uma realidade nova. É quase impossível controlar a internet usando códigos, leis e decretos. A rede funciona a base de consensos e da interação, porque é fácil achar uma escapatória tecnológica para as imposições.
Mas como os deputados e senador não conseguem entender esta nova realidade, vão insistir numa regulamentação decidida em Brasília, a toque de caixa. O resultado vai ser um jogo de gato e rato, onde os internautas provavelmente transformarão as violações das novas regras numa questão de honra e numa forma de mostrar que eles são mais hábeis na hora de usar da rede.
Para inserir a questão da internet na agenda do Congresso é essencial entender que ela não é apenas uma tecnologia mais sofisticada. Trata-se de um processo que deflagrado por uma mudança tecnologia mas que está mudando o contexto social, comunicacional, econômico e agora começa a contagiar a política. É tão irreversível quanto foi a revolução industrial deflagrada pela máquina à vapor.
A campanha para 2010 pode acabar sendo um marco no país, não tanto pelos seus resultados, mas porque o debate sobre o uso eleitoral da internet mostrou um despreparo dos políticos capaz de assustar quem se preocupa com a democracia.