Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Internet pode transformar redações em salas de aula


‘O ensino do jornalismo, como várias outras instituições da imprensa, está mudando muito lentamente. Está mudança, iniciada no ano passado, vai tornar-se dramática nos próximos cinco anos. Também deve-se esperar que as organizações da mídia tomem a liderança no processo de educação do seu público visando aumentar criatividade informativa de leitores, ouvintes e telespectadores’.


A frase é de Shayne Bowman e Chris Willis, autores do documento The Future Is Here, But Do News Media Companies See It? (O futuro está aqui, mas será que as empresas jornalísticas o estão vendo?) recém publicado pela Fundação Nieman para o Jornalismo, um orgão da universidade Harvard, nos Estados Unidos.


O trabalho dos professores Bowman e Willis procura levantar algumas hipóteses sobre o que o futuro dos jornais impressos e uma das afirmações mais polêmicas é a de que as redações terão um papel mais importante na edução do público e na recapacitação de jornalistas do que na produção de noticias.


Dito desta forma até parece uma heresia profissional e corporativa, mas os autores do relatório usam o caso da BBC inglesa como uma evidência de que a transformação das redações em salas de aula já começou. Deve entrar em funcionamento este ano a Faculdade BBC de Jornalismo (BBC College for Journalism) cujo ambicioso objetivo é reeducar quase 7 mil jornalistas e funcionários das divisões de notícias nas várias emissoras de radio e de TV, bem como abrir cursos para o público em geral.


O projeto, lançado há um ano e dirigido por Vin Ray, teve um início meio tumultuado por questões financeiras e por um debate entre os que defendiam a criação de uma faculdade fisica, com sala de aulas etc, e os que acham que isto iria sair muito caro e tirar os repórteres das suas tarefas normais. Ganhou a segunda tese e o projeto foi para dentro das redações.


Logo em seguida surgiu outra polêmica. O curso seria predominantemente técnico ou enfatizaria as chamadas questões culturais. Também aqui a segunda hipótese ganhou mais força por questões práticas (um enfase tecnológico exigiria centenas de disciplinas diferentes) e por questões ideológicas. Temas como ética, privacidade, direitos autorais, autoria compartilhada etc já predominavam na agenda profissional dos jornalistas da BBC, muito antes do anúncio do curso. A prioridade mostrou-se quase óbiva.


O caso da British Broadcasting Corporation  está se transformando numa especie de paradigma de transformação cultural de uma empresa jornalística com 80 anos de história. Hoje, a velha BEEB está surpreendendo todo mundo com a audacia das mudanças editoriais cujo principal objetivo é mudar a relação da empresa com o seu público.


Ainda é muito cedo para saber se a Faculdade BBC vai produzir os resultados esperados ou não. O modelo provavelmente não será exportável, mas uma coisa ele já conseguiu: sacudir as redações e provocar a curiosidade do público.


A mudança de foco do jornalismo, passando da notícia para o treinamento e orientação, é uma consequência direta das transformações provocadas pela internet na ecologia informativa da sociedade contemporânea. Há uma avalancha de informações. O problema não é falta de notícias (embora as vezes ocorra uma escassez ocasional em determinadas áreas). A oferta tende a aumentar cada vez mais na medida em que crescer o ritmo de participação do público na produção de conteúdos, como é o caso dos weblogs (diariamente surgem 70 mil novos blogs no mundo).


Como assinalaram os jornalistas franceses Jean François Fogel e Bruno Patiño, autores do livro Une Presse Sans Gutenberg, a notícia tende a perder importância na atividade jornalística em favor da pesquisa sobre os métodos sobre como chegar até ela. Neste enfoque, questões como a ética informativa ganham mais relevância do que a preocupação com o furo jornalístico.


Uma mudança como esta não acontece sem uma reeducação dos profissionais e, principalmente, sem uma capacitação dos leitores. Os profissionais precisam de uma atualização porque a avalancha informativa e o ritmo frenético da inovação tecnológica estão provocando um terremoto nas rotinas tradicionais das redações.


Por seu lado, o público está assumindo um papel cada vez mais ativo como produtor de informações sem ter uma capacitação mínima para exercer esta função. Não são só os jornalistas que estão sendo atropelados pela internet. Os leitores também já começam a pagar o preço do despreparo quando se multiplicam casos de uso irresponsável da informação em sites da internet, especialmente nos que usam softwares de autoria coletiva.


Se as empresas jornalísticas desejarem manter-se no mercado da informação, sua estratégia futura não poderá apoiar-se exclusivamente na produção de notícias, porque a internet saturou este setor. O caso da BBC mostra que existem opções e questões a serem pesquisadas ou testadas, na área da reeducação de jornalistas e da capacitação do público.


Aos nossos leitores: Serão desconsiderados os comentários ofensivos, anônimos e os que contiverem endereços eletrônicos falsos.