Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Investigação cria núcleo informal de poder no país

Fica cada vez mais claro que o poder real no Brasil já não reside apenas na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Aos poucos se consolidam os indícios de que os rumos do país estão sendo determinados por três instituições: o Ministério Público, a Polícia Federal e a grande imprensa nacional. Há uma integração harmoniosa entre as três instituições, mas o que ainda continua envolto num véu de mistério, é quem, entre elas, dá as ordens.

Desde 2005, o país teve sua rotina política agitada por uma sucessão de escândalos de corrupção em que a opinião pública foi levada, a ora acreditar que se tratava da longamente esperada operação limpeza no aparelho estatal, ora que tudo não passava de uma jogo de retaliações articulado por políticos em luta por poder.

Hoje, o público começa a dar sinais de cansaço em relação a brigalhada geral entre políticos, funcionários públicos, empresários e personagens do sub mundo da economia informal. A expectativa de uma devassa geral do serviço público ainda é uma esperança pois os indícios atuais apontam mais no sentido de que o expurgo da corrupção institucionalizada será desinflado quando for definida a luta pela presidência da República.

A dúvida sobre o que virá depois de fevereiro é alimentada pela existência da nova “troika” do poder, uma estrutura que começou a ser montada ainda no governo FHC. O Ministério Público Federal ganhou visibilidade e simpatias populares no momento em que jovens advogados, recém-ingressados no sistema judicial, renovaram uma magistratura burocratizada e pouco eficiente.

Quase ao mesmo tempo, no final dos anos 90, começou um processo de reformulação da Polícia Federal com o ingresso de jovens recém saídos da universidade na carreira policial. A PF passou a ocupar o lugar de principal instituição da lei e da ordem diante do recuo das Forças Armadas depois do fim da ditadura e do descrédito generalizado nas policias militares estaduais.

A sinergia Ministério Público e Policia Federal se consolidou no mensalão e saltou para o cardápio informativo diário da população quando os três principais jornais do país, mais a TV Globo e a revista Veja completaram a terceira perna a “troika” ao desenvolver uma cobertura midiática sobre as investigações voltada para a formação da opinião pública.

Este sistema evoluiu no sentido de uma plena integração, onde as partes se alternam para criar novos fatos e processos. As vezes é a imprensa que levanta uma denúncia ou suspeita, que logo em seguida é assumida pela Polícia Federal que depois entrega os indícios levantados para o Ministério Público que por sua vez autoriza a prisão e captura dos acusados, e a imprensa se encarrega de organizar os fatos para que a opinião pública emita um veredito.

Noutras oportunidades são os procuradores e os policiais que vazam informações para a imprensa com o objetivo de criar indícios e suspeitas, que ao serem divulgados pela imprensa criam clamor público ou político que justifica a movimentação das engrenagens policiais e jurídicas. O deflagrador da ação varia, mas a dinâmica do processo geralmente segue um mesmo script.

Os procuradores encontraram na figura do juiz Sergio Moro, o apoio institucional necessário para que dar caráter judicial institucionalizado ao processo, já que o Ministério Público não pode julgar e nem prender ninguém. A Polícia Federal transformou-se no braço armado do poder, responsável pelo marketing do temor ao dar características de operação de guerra à captura de políticos e empresários.

Mas nada disto teria um impacto político de grandes proporções sem a participação da imprensa pois faltaria o apoio, de pelo menos uma parte da opinião pública, para dar um mínimo de respaldo popular a processos como o Lava Jato e evitar que a ação repressiva seja vista como ato militarizado e anti-democrático.

O modus operandi da “troika” já é identificável. O enigma é saber quem dá as ordens e quem arruma as peças de uma estratégia muito bem montada e que tem funcionado como um rolo compressor sobre o desorientado mundo político-partidário de Brasília,  encurralado por um mar de denúncias e suspeitas de corrupção. Teoricamente, a PF está subordinada ao Ministério da Justiça, mas o ministro José Eduardo Cardozo parece ocupar um espaço marginal nas decisões policiais. Isto quer dizer que o governo não tem controle sobre a “troika”.

O japonês da Federal

O Congresso Nacional também não é um tomador de decisões em processos como o Mensalão e Lava Jato porque é grande o numero de parlamentares sob suspeita de corrupção, logo alvos potenciais dos investigadores do triunvirato MPF, PF e mídia.

O Supremo Tribunal Federal, órgão paradigmático no sistema judiciário nacional, está mais no fim da linha nos processos de investigação do que na formulação das estratégias de quem e quando será colocado no banco dos réus ou será escoltado pelo agente Newton Ishii, o popular “japonês da Federal”, figura obrigatória e fortemente armada, nas filmagens de políticos e empresários detidos na Lava Jato.

Tudo indica que estamos diante de um esquema que não é ilegal mas que funciona a margem das estruturas convencionais. Um esquema que até agora não tem uma cabeça visível e identificável , mas que funciona movido por uma soma de interesses que o tempo está se encarregando de ir depurando. No início parecia ser uma operação de encurralamento do Partido dos Trabalhadores para impedir que ele continue no poder nas eleições de 2018. O impeachment da presidente Dilma Rousseff e a desmoralização do ex-presidente Lula, seriam apenas danos colaterais.

Mas agora a onda investigadora da “troika” atinge outros partidos , principalmente o PMDB, o principal beneficiário da operação desmanche do PT. O presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha transformou também num alvo preferencial do Ministério Público, embora tenha sido um dos principais artífices da campanha anti-Dilma. Até o PSDB acabou pagando parte da conta da corrupção institucionalizada, com o chamado Mensalão tucano.

A “troika” criou uma enorme confusão e perplexidade política no país, porque mexeu na prática da corrupção, algo institucionalizado na esfera governamental, desde a era colonial . O problema é que não foi possível até agora identificar se a desorientação é intencional ou não. O discurso anti-corrupção chega em alguns momento a ser messiânico, quase confessional, o que entra em rota de colisão com os segmentos preocupados basicamente com a conquista do Palácio do Planalto, como PMDB, PSDB e DEM .

A “troika” é um fato novo que está alterando os procedimentos tradicionais de fazer política no país mas ao mesmo tempo ela instaura o modelo de ação cujas bases se caracterizam pela instabilidade. A imprensa, por exemplo, tem um considerável passivo de comprometimento com as elites políticas que hoje estão na mira dos paladinos da moralidade . Por sua vez, a dinâmica de trabalho da Policia Federal a coloca numa trajetória vizinha a do autoritarismo, enquanto o ministerio público terá que resolver as disputas de ego que já começam a aflorar entre seus membros.