Quando era correspondente do diário espanhol El País em Roma, onde viveu 14 anos, o jornalista Juan Arias escreveu o que recorda terem sido “duríssimos artigos” contra Giulio Andreotti.
O líder democrata-cristão Andreotti foi um dos mais poderosos políticos italianos – se não o mais poderoso – desde a segunda guerra mundial. Entre 1972 e 1992, governou o seu país nada menos de sete vezes.
Como será que ele reagia aos textos de Arias? O repórter dá apenas um exemplo: “Recebi uma carta de próprio punho de Andreotti, agradecendo meu interesse pelos asssuntos da Itália.”
Desde 1998, o agora septuagenário jornalista espanhol trabalha no Brasil para o mesmo El País, no meu entender um dos melhores diários europeus, ao lado do Guardian, de Londres, e do parisiense Le Monde (embora o pudico tabloidão não permita nas suas páginas nem mesmo a palavra cueca: tem de ser “ropa interior)”.
Arias também escreveu “textos duros” sobre o então presidente Fernando Henrique. E daí? “Não so não tive reclamarações, como sua chefe de gabinete [na realidade, a assessora de imprensa Ana Tavares] me procurou para agendar uma entrevista com ele.
É o que o espanhol conta no Estado de hoje, na parte que lhe toca da boa sacada dos repórteres Laura Greenhalgh e Fred Melo Paiva. Eles perguntaram a quatro correspondentes estrangeiros [além de Arisas, o veterano (23 anos de Brasil) Mac Margolis, da Newsweek; Eleonora Gosman (desde 1995 no país), do portenho Clarín; e Andrew Downie (desde 1999), da Time, do Christian Science Monitor americano e do Daily Telegraph inglês] como cobrem, interpretam e explicam para os seus leitores o escândalo do mensalão.
“Um certo autoritarismo”
O melhor da entrevista – ou, antes, o pior – é o relato do entrevistado sobre sua experiência pessoal com o governo Lula.
Quase um ano depois da posse, Arias resolveu escrever quatro matérias de avaliação. Intitulou a primeira “As dez goteiras do governo Lula” sobre o que considerava os seus “projetos sociais emperrados”.
Perguntado qual foi a repercussão, contou o seguinte:
“Uma noite fui chamado em minha casa, por telefone, por um assessor do Planalto [a quem não identifica; o então ministro da Secom, Luiz Gushiken, e o porta-voz André Singer, são boas apostas]. Ele me fez críticas, pediu-me explicações, quis saber quais eram as minhas fontes, disse que eu deveria tê-los chamado antes de ouvir outras pessoas. Respondi educadamente que não iria revelar minhas fontes, pois jornalistas não fazem isso. Mas senti um certo autoritarismo.”
O governo Lula não precisava nem ter cometido o vexame de tentar expulsar o repórter Larry Rohter, do New York Times, por causa da sua matéria sobre a suposta preocupação nacional com o “hábito de bebericar” do presidente.
Apenas esse episódio, envolvendo o calejado correspondente do mais respeitado jornal de um dos países que mais investem no Brasil, vale por uma reportagem completa sobre como o Planalto enxerga (e trata) a imprensa – muito antes de acusá-la, indistintamente, de se acumpliciar com “as elites” para derrubar o plebeu Lula.
No limite da difamação
A propósito, a nota do Diretório Nacional do PT em defesa do partido, “das conquistas do governo, da verdade e da democracia”, publicada hoje, diz às folhas tantas que nem todas as denúncias que circulam pela imprensa visam combater a corrupção.
“Combinada com essa sadia possibilidade democrática, também está em curso um processo difamatório…”, o texto acusa, em seguida.
Julgue como queira o PT e o que entende por conquistas do governo, verdade e democracia, nenhum jornalista capaz de soletrar a palavra ética poderá discordar de que o modo como a Veja cobre a crise chegou aos limites da difamação na capa da edição desde ontem nas bancas. Ali, em fonte tamanho família, Lula é chamado “Lulla”.