É cada dia mais difícil interpretar o resultado de uma sondagem de intenções de voto num pleito presidencial porque os números já representam pouca coisa diante da crescente importância da contextualização de dados, fatos e processos.
Como a maior parte das pessoas ainda percebe as pesquisas como um retrato da realidade pré-eleitoral, fica fácil entender que a manipulação do contexto pode induzir os leitores, ouvintes, espectadores e internautas a percepções bastante diversificadas sobre um mesmo fenômeno.
As variáveis que entram na manipulação do contexto são muitas, daí a complexidade de uma análise de resultados numéricos porque eles podem significar muita coisa. Para se ter uma idéia de que elementos entram na contextualização poderíamos citar o dia e hora em que a pesquisa é feita, a composição social, econômica e geográfica da amostra pessoas consultadas, o tipo de pergunta feita, o lugar onde a pergunta é formulada e por aí vai.
Como a imprensa só divulga o percentual e a margem de erro, torna-se impossível ao público contextualizar os resultados de uma pesquisa eleitoral porque as pessoas não dispõem de dados essenciais para extrair deles significados minimamente representativos da opinião eleitoral de um segmento da população.
Mas apesar de todas estas ressalvas técnicas, as pesquisas se transformaram num componente obrigatório do processo eleitoral e portanto parte do processo de condicionamento de percepções políticas do eleitor.
As ciências da cognição, uma das áreas do conhecimento humano mais valorizadas atualmente, apontam que hoje não é mais possível fazer julgamentos simplistas, tipo sim ou não, ganha ou perde, sem incorrer em graves riscos de distorção dos resultados.
Os resultados das pesquisas de intenção de votos divulgados antes e depois da votação do dia 3 de outubro entram nesta categoria de risco, com uma agravante. Assim como os números e percentagens não foram contextualizados adequadamente, também os erros foram avaliados de forma superficial.
Não se trata de desqualificar os resultados da pesquisa porque isto levaria a um bate-boca interminável e improdutivo, porque uma sondagem pode ser tecnicamente isenta, mas comprometida do ponto de vista contextual.
O importante é ver que a manipulação das pesquisas não é uma questão de fraude, mas de estratégia de comunicação destinada a induzir o eleitor a uma determinada percepção. E aí, o cidadão não tem outra arma para julgar o que percebe senão o recurso a quantidades crescentes de informação.
Quando a imprensa não fornece ao cidadão os elementos para a contextualização dos resultados da pesquisa, ela pode estar cometendo um equívoco tão grave quanto mudar números ou percentuais.
O processo eleitoral contemporâneo tornou-se um jogo de “cachorro grande” do qual só participam especialistas. As pesquisas que definem eleições são realizadas muito antes da votação. A boca de urna não está preocupada com a apuração, mas sim com o que pode acontecer semanas depois.