A decisão dos maiores jornais brasileiros de romper com o Google News, um sistema automático de publicação de noticias na Web, terá um impacto mínimo nas finanças de ambas as partes e sua principal consequência talvez seja a de evidenciar mais uma vez a enorme dificuldade dos executivos de nossa imprensa em lidar com as mudanças em curso na comunicação jornalística.
A decisão anunciada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) durante a reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) foi justificada com base em argumentos financeiros e jurídicos (ver "Jornais brasileiros abandonam o Google Notícias"). No financeiro, o rompimento visa anular uma redução calculada pela ANJ em 5% nos acesso às páginas online dos 154 jornais associados à entidade.
Procura também eliminar qualquer tipo de receita publicitária, sem reciprocidade, que o Google News possa ter com base no conteúdo produzido a partir de uma síntese eletrônica das notícias publicadas em cerca de cinco mil jornais de todo o mundo. Juridicamente, a medida confirma as posições da ANJ com relação ao pagamento de direitos autorais.
A contabilidade de ganhos e perdas é complexa porque nem os jornais e nem a empresa Google revelaram todos os dados sobre visitação de leitores e publicidade gerada pelas visitas. Por isso é difícil dizer quem está certo e quem está equivocado pela impossibilidade de estabelecer o contexto integral do problema. Mas uma coisa é clara: o rompimento está na contramão de todas as mudanças produzidas pela economia e tecnologia digitais no processo de comunicação jornalística.
Não há mais dúvidas de que o modelo convencional de negócios das empresas jornalísticas é inadequado para a produção de notícias na internet. Desde o surgimento deste Código Aberto, há oito anos, alertamos que a Web inverteu as regras do mercado de noticias. Passamos de uma era de escassez (poucos jornais) para uma era de abundância informativa (só de blogs são 55 milhões no mundo inteiro), o que reduziu a commodity notícia a quase zero ao mesmo tempo em que acelerou a diversificação e recombinação de dados e informações graças às facilidades das redes virtuais.
A notícia está hoje em todos os lugares e cercá-la com os muros do direito autoral equivale a tentar enxugar gelo. A rentabilidade não está mais em guardá-la como uma commodity, mas na sua circulação. Quanto mais uma notícia circular mais pupilas e cérebros ela alcançará, ampliando a reputação de quem a produziu, distribuiu e comentou. Ter informação não é mais sinônimo de ter poder. Pelo contrário, o poder de influenciar outras pessoas depende da intensidade com que a informação circular entre estas pessoas.
A queda de braço entre a empresa Google e os jornais acontece também noutros países, como a França, e é o reflexo direto do conflito de interesses entre duas estratégias financeiras diferentes de lidar com a notícia jornalística. A dificuldade dos executivos de empresas jornalísticas em entender essa realidade é preocupante porque, em última análise, prejudica a busca de um modelo de negócios capaz de garantir a sustentabilidade tanto da notícia impressa como da online.
Nós sempre teremos informações impressas porque esse tipo de plataforma de comunicação jornalística tem vantagens específicas e insubstituíveis, da mesma forma que a notícia online é imbatível no atendimento de determinadas necessidades do público. Sucatear jornais e revistas não é a solução, mas também não adianta nada tentar mantê-los como mausoléus de uma imprensa que está em vias de transformação.
A decisão da ANJ responde ao interesse de executivos da indústria da comunicação jornalística de arrancar toda a rentabilidade possível antes que chegue um momento fatal, como ocorreu há dias com a revista norte-americana Newsweek, que aqui no Brasil foi o modelo seguido pela Veja. Para os executivos pode ser uma estratégia inteligente para garantir uma aposentadoria dourada, mas para nós, consumidores de informações, é uma péssima noticia.