Uma das mais badaladas experiências de jornalismo cidadão nos Estados Unidos está com o seu futuro ameaçado porque o seu criador, o jornalista Dan Gillmor, abandonou o projeto após reconhecer uma série de erros conceituais e operacionais. O site Bayosphere, criado no inicio de 2005, não conseguiu atrair um número considerável de participantes, conforme Gillmor admitiu num texto
O projeto Bayosphere foi criado por Gillmor para materializar as idéias que ele esboçou em seu livro We The Media (Nós, a Mídia) sobre as mudanças que a internet está provocando na forma pela qual a informação afeta a vida dos integrantes de uma comunidade.
O público alvo escolhido foi o dos moradores na região da baía de São Francisco, na California, onde se concentra a maior parte dos intelectuais da internet norte-americana e que possui um um altíssimo índice de uso da banda larga por habitante. A estratégia editorial era focar em temas sobre novas tecnologias e nos assuntos comunitários, com Gillmor funcionando como principal motivador e provocador.
O cenário parecia ideal para uma experiência pioneira de informação participativa a partir da base social de uma comunidade. Mas o projeto não decolou, o número de colaboradores não aumentou e, um ano depois, o balanço é melancólico e o Bayosphere corre o risco de entrar para o cemitério de belas idéias da internet contemporânea.
Os textos produzidos a propósito da crise no projeto de Dan Gillmor são a primeira grande oportunidade para avaliar o que existe de fantasia e o que há de realidade no chamado jornalismo cidadão, uma denominação ainda sujeita a muitos questionamentos.
A constatação mais imediata é de que os erros de Gillmor eram inevitáveis, dado que se trata uma experiência numa área absolutamente nova, onde o conhecimento ainda é basicamente empírico e fruto daquilo que os anglo-saxões chamam de wishfull thinking (tomara que aconteça, numa tradução absolutamente livre). O utópico seria achar que tudo daria certo já na primeira tentativa.
A segunda constatação é a de que o jornalismo cidadão ou comunitário não é um fenômeno do tipo plug and play (liga e funciona), como se fosse um software ou hardware instalado num computador. É um processo social que envolve aprendizado; mudança de percepções, comportamentos e valores; e principalmente da motivação para participar, um elemento que está fora do controle de responsáveis por projetos como o Bayosphere.
Gillmor, a exemplo de muitos outros adeptos do jornalismo cidadão, acabou contaminado por uma visão idealista da participação de pessoas comuns na arena da informação. A idéia predominante era a de que dando as ferramentas e a oportunidade, a participação cidadã seria imediata e colaborativa. Faltou a percepção de que o processo passava também por áreas como sociologia, psicologia e política, capazes de poder explicar determinados comportamentos humanos não .
A visão idealista do Bayosphere, um fenômeno que também contamina outras experiências de jornalismo comunitário espalhadas pelo mundo, acabou transformando a tecnologia na principal preocupação do projeto. A plataforma operacional desenvolvida por Gillmor e seu parceiro Michael Goff acabou falhando na hora de administrar problemas como a exigência de identificação detalhada dos colaboradores, a necessidade de interferir nos textos para evitar agressões e difamações, informações falsas etc.
As medidas preventivas acabaram complicando a participação das pessoas menos familiarizadas com a tecnologia que acabaram desistindo, para não mais voltar. O que teóricamente deveria melhorar o relacionamento entre as pessoas, acabou funcionando ao contrário.
‘As ferramentas tecnológicas são importantissimas mas elas não substituem o trabalho de desenvolvimento de uma comunidade’, admite Dan Gillmor que agora acredita que o ‘trabalho comunitário é tão crucial num projeto de jornalismo cidadão quanto a escolha das ferramentas operacionais adequadas’.
O mea culpa do criador do Bayosphere serviu de pretexto para que vários outros adeptos do jornalismo cidadão passassem também a rever idéias e expectativas. Willian Luciw alinhou sete itens que podem servir como lista de checagem em futuros projetos de jornalismo cidadão, visando evitar a repetição dos erros de Gillmor.
O texto está em inglês, mas vale a pena lê-los para se ter uma idéia do que não foi pensado até agora. Um dos itens destacados por Luciw, um executivo empresarial, é a possibilidade de que a correção dos erros cometidos pelo o Bayosphere ‘recuperar a paixão no exercício do jornalismo depois que o sistema industrializado dos jornais reduziu os jornalistas a operários de uma linha de montagem’. Os leitores perceberam esta pasteurização informativa e estão se distanciando da imprensa convencional, em países como os Estados Unidos.
Dan Gillmor faz mistério sobre o que acontecerá com o Bayosphere nos próximos meses. Ele no entanto já arranjou um novo emprego. Está desenvolvendo o Centro de Jornalismo Cidadão, apoiado pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e pela Universidade Harvard.
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