Uma passagem do artigo “O apocalipse anunciado”, do último dia 6, neste blog, critica a sugestão de um ex-diretor de Redação do New York Times, Max Frankel, de que os jornais impressos, diante do assédio da internet, devem se especializar para sobreviver. Concentrem-se em um tipo de assunto, é o que ele diz, com mais palavras.
Isso, entende o blogueiro, seria a negação do próprio conceito de jornal – o espaço onde o leitor se encontra com os fatos presumivelmente mais relevantes das mais diversas áreas de interesse. É também o único espaço por onde transitam a cada dia os múltiplos participantes da esfera pública. Uma coisa e outra fazem da imprensa – e especificamente da imprensa em papel, pelo que a distingue do jornalismo online – a instituição central das sociedades plurais e abertas.
E não há de ter sido por acaso que os melhores entre os jornais criados para cuidar de economia e negócios, por exemplo, se “desespecializaram” relativamente com o tempo, passando a dar mais atenção à política, à cultura e à vida urbana.
Mas se a diversidade é indissociável da função social do jornalismo impresso, a especialização parece ser uma alternativa, aí sim, para o bom jornalismo na internet. Aqui, incomparavelmente mais do que no papel, pode-se levar às últimas consequências a ideia de que, no fundo, todas as notícias são locais.
Isso significa que os acontecimentos à primeira vista mais distantes da experiência imediata do leitor podem e devem ser cobertos (ou interpretados) com a preocupação de aproximá-los de seu entorno próximo.
Significa também que os acontecimentos que afetam de perto o cotidiano do leitor devem – mas talvez não possam, nos jornais – ser tratados de forma comensurável com o interesse que nele despertam.
É o que se propõem a fazer jornalistas como os citados pelo crítico de mídia do Washington Post, Howard Kurtz, na sua coluna de 1/4. Em Chicago, onde o venerando Tribune e o seu maior rival nas bancas, o tablóide Sun-Times, pediram, os dois, concordata, uma novidade promissora de jornalismo local na internet é o site Chitown Daily News, do jornalista Geoff Dougherty, ele próprio ex-repórter do Tribune.
A primeira coisa que fecha na crise dos jornais impressos, diz Dougherty, é a cobertura local. Iniciativas como as dele pretendem reabri-la.
Pode ser um caminho para jornalistas brasileiros que as empresas (e as assessorias) de comunicação não conseguem absorver ou manter. O xis do problema é encontrar quem pague a conta.
Com quatro repórteres fixos, quatro free-lancers também pagos e uma centena de colaboradores sem remuneração, o Chitown, procurado por 50 mil visitantes únicos por mês, é pioneiro no que Howard Kurtz chama “reportagem de rua de baixo custo”.
E que pode ser chamado também de jornalismo de banda estreita.
Criado em 2005, o jornal online tem um orçamento na casa de US$ 600 mil. Mais de um terço dos gastos são cobertos pela Fundação Knight, uma entidade sem fins lucrativos de apoio ao jornalismo. Outras fundações, doadores e um mínimo de anunciantes mantêm a publicação andando.
Ela não cobre esportes, moda, artes. Serve, escreve Kurtz, um cardápio enxuto de questões locais de interesse dos moradores de Chicago, com ênfase nas políticas públicas municipais. (Mas não cobre o dia-a-dia do prefeito. “Isso os jornais impressos já fazem”, explica o editor.)
Em compensação, o jornal faz mais do que noticiar. Quando a prefeitura decretou, sem aviso prévio, um aumento de 10% nas anuidades de suas faculdades, o Chitown não apenas contou a história da decisão tomada em surdina, mas também entrou com uma ação junto à procuradoria do Estado.
Faz parte da rotina de Dougherty treinar futuros jornalistas – na prática. Ele não é menos exigente do que um editor de jornal à moda antiga com as matérias dos seus voluntários. E tem olho vivo: um dia ele derrubou uma reportagem sobre um pastor de uma igreja de bairro ao descobrir que o autor o ajudava nos serviços religiosos.
Chitown não está sozinho em Chicago. Enfrenta na internet a concorrência de outro site noticioso chamado Cada Quadra [Every Block, no original] que cobre até o estado dos bueiros – mas não tem nada de jornalismo de esgoto.
A sua equipe de seis pessoas vai atrás de matérias que são pequenas demais para um jornal convencional, mas nem por isso desimportantes para os residentes das áreas de que se ocupa. “A nossa filosofia é que o resultado de uma inspeção sanitária na pizzaria da esquina é notícia para o nosso leitor”, diz Adrian Holovaty, que trabalhava para o Washington Post antes de fundar o site, há 15 meses.
O Cada Quadra está virando uma espécie de franquia. Já existe em 11 cidades americanas. Só em Chicago recebe 140 mil visitantes únicos por mês. Assim como o Chitown, depende da Fundação Knight. A má notícia é que o patrocínio de US$ 1,1 milhão em dois anos termina em junho – e não é certo que será renovado.
Dinheiro não dá em árvore nem no maior jornalão da internet nos Estados Unidos sem vínculos com a imprensa escrita. (O maior de todos é o nytimes.com). Criado em 2005, o Huffington Post tem mais de 4 milhões de visitantes únicos mensais – e eles precisam rolar e rolar a tela só para chegar ao fim da sua homepage, a página inicial.
O HuffPost, como é chamado, publica nos seus blogues 200 textos originais por dia.
A dona do site, daí o nome, é Arianna Huffington – que era casada com um bastião do conservadorismo na Califórnia antes de virar comentarista de esquerda e fundar o seu Post.
Na semana passada, Arianna comprou briga com uma das melhores agências de notícias do mundo, a americana Associated Press, porque ela quer cobrar pedágio dos sites de busca e agregadores de notícias, como Google e Yahoo, que criam links para as suas matérias. A AP sustenta que os sites que não pagam pelos textos e fotos da agência que põem no ar são piratas.
Pela voz de sua fundadora, o Huffington Post (que paga) acha que se a AP levar adiante a ideia de “proteger o seu conteúdo noticioso”, como diz a agência, vai quebrar a cara.
Numa coluna beligerante, bem à moda do meio, intitulada “O debate sobre notícias online: é o consumidor, estúpido”, Arianna escreveu que ou os jornalistas “aderem e se adaptam às mudanças trazidas pela internet” ou vão se dar mal, porque não existe “uma máquina jornalística do tempo que os leve de volta a um passado que deixou de existir e não pode ser ressuscitado”.
Com a arrogância típica da blogosfera, ela decreta: “Já vimos o futuro e o futuro está aqui. É a economia conectada. São os motores de busca. É a publicidade online. Eis onde está o futuro. E se você não é capaz de encontrar o seu caminho para isso, então você está perdido.”
A catilinária vale contra qualquer tentativa de cobrar qualquer coisa, ainda que seja um pagamento simbólico, pelo acesso a qualquer material posto na internet.
“Os hábitos de consumo mudaram dramaticamente. As pessoas se habituaram a receber as notícias que desejam, quando as desejam, como as desejam e onde as desejam. E essa mudança veio para ficar”, martela Arianna.
Como queira. No entanto, mesmo nos sites mais visitados, a publicidade ainda não cobre os custos, muito menos enche as burras dos seus criadores, como acontecia nos velhos tempos dos jornais impressos. Ou, no jargão do setor, a receita ainda não acompanha o tráfego. Ao que parece, mais dinheiro de anúncios saiu da imprensa em papel do que entrou na imprensa na web. No caso do New York Times, a receita publicitária da sua edição online ainda não passa de 10% da receita total do jornal.
E até na internet, onde não há gastos com papel, impressão e distribuição, jornalismo de qualidade custa. Ou a qualidade fica obrigada a se concentrar, afinal, em um espectro restrito de informação, como nos citados exemplos dos sites locais Chitown e Every Block, de Chicago. É o retrato de uma equação ainda por resolver.