O repórter Nate Silver acaba de deixar o seu próspero emprego no jornal The New York Times para aceitar uma remuneração milionária na rede de TV ESPN, na primeira grande contratação registrada na imprensa mundial envolvendo um profissional especializado em jornalismo de dados (Big Data Journalism).
Nate Silver ganhou visibilidade mundial ao fazer previsões sobre os resultados das eleições presidenciais norte-americanas de 2012 com uma precisão que surpreendeu até mesmo os especialistas em sondagens de opinião pública. O segredo do agora ex-repórter do The New York Times é sua habilidade em trabalhar com grandes volumes de dados usando a matemática, estatística e os cálculos probabilísticos.
A teoria dos Grandes Dados (Big Data) já é amplamente conhecida e usada nos meios científicos, corporativos e esportivos, mas nenhum repórter a havia aplicado antes em coberturas jornalísticas. Nate Silver criou uma espécie de franquia pessoal que agora foi cedida à rede ESPN, onde ele vai prever possíveis resultados esportivos usando ferramentas matemáticas e estatísticas.
O uso inovador da estatística no esporte vem desde 2002, quando o gerente de um clube decadente de beisebol na cidade de Oakland, na Califórnia, contratou um jovem matemático para melhorar performance do time. Usando centenas de medições da performance física e técnica de jogadores inexpressivos, o gerente e seu assessor conseguiram transformar atletas medíocres em estrelas do esporte aproveitando habilidades desconhecidas até mesmo pelos próprios atletas.
O time de Oakland surpreendeu o mundo esportivo norte-americano com uma série de 20 vitórias consecutivas sobre adversários muito superiores tecnicamente. O caso virou um livro e um filme de sucesso, ambos intitulados Moneyball.
Curiosamente, a troca de empregos por Nate Silver foi mais discutida na imprensa norte-americana por conta de uma suposta dívida moral do repórter em relação ao Times e menos pelo seu real significado, a valorização dos profissionais que sabem trabalhar com bancos de dados e com cálculos probabilísticos.
O caso Silver é paradigmático na transição de modelos de negócios em curso na imprensa mundial porque comprova duas tendências em ascensão e que seguramente afetarão as expectativas dos novos profissionais: a relevância crescente com o jornalismo de dados e o êxito de franquias jornalísticas apoiadas na especialização e credibilidade de seus responsáveis.
O jornalismo de dados é uma especialidade que exige uma grande intimidade no desenvolvimento e uso de bancos de dados por jornalistas. É o tipo de profissional que não se enquadra no modelo tradicional de repórter que gasta sola de sapato para investigar uma suspeita. O jornalista de dados não sai da frente de um computador, maneja grandes volumes de dados e sabe como produzir correlações entre tendências reveladas pelos números.
Foi com base nessas correlações que Silver conseguiu prever resultados de eleições nacionais nos Estados Unidos com um grau de precisão muito superior ao de institutos de pesquisa com décadas de experiência em sondagens de opinião pública.
A ida de Nate Silver para a ESPN foi também importante pelo fato de consolidar a tendência dos profissionais altamente especializados em alguma área da informação de criar franquias pessoais para administrar a “marca” do seu nome.
Jay Rosen, professor de jornalismo da Universidade de Nova York, afirmou em seu blog que possivelmente estamos assistindo ao início da substituição do trabalho assalariado no jornalismo pela contratação de franquias jornalísticas, ou seja, a transformação de repórteres, comentaristas e editores de pessoa física em pessoa jurídica.
Até agora ser pessoa jurídica era um recurso contábil para reduzir o pagamento de impostos, mas tudo indica que, daqui por diante, o status de franquia tenderá a ser uma marca registrada do jornalista digital. A franquia passa a ser a marca da confiabilidade na informação produzida pelo jornalista.
Não chega a ser uma revolução no jornalismo contemporâneo porque muitos profissionais bem sucedidos já se transformaram em grifes, na era do papel. A novidade é o fato do mesmo recurso começar a gerar receitas em ambiente virtual, onde a sustentabilidade financeira de iniciativas jornalísticas, tanto individuais como coletivas, ainda é uma grande incógnita.