Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Jornalismo e democracia, uma nova relação na era digital

Bastião da democracia, patrulheiro do governo, formador de bons cidadãos, defensor do interesse público. Os leitores de jornais estão acostumados com estas definições, ou caracterizações da atividade jornalística, repetidas constantemente tanto pelos donos de empresas como por teóricos da comunicação. Mas estes conceitos estão começando a mudar.

Em 1995, James Carey, um dos ícones da cultura jornalística norte-americana afirmou: “O jornalismo é um sinônimo de democracia, ou, noutras palavras, você não pode ter jornalismo sem democracia” [extraído do texto “Where journalism education went wrong”, de James Carey, disponível aqui]. A frase de Carey, um dos pioneiros no estudo da relação entre jornalismo, comunicação e cultura, acabou se transformando na base de uma percepção do jornalismo como um componente do contexto político institucional, desde o início do século 20.

A associação entre jornalismo e democracia foi triplamente útil. Aos donos de empresas, porque ofereceu uma justificativa ideológica para seu negócio. Para os profissionais, um escudo ético para o seu quotidiano, enquanto os pesquisadores acadêmicos passaram a buscar uma resposta para o dilema: “Qual o grau de democracia necessário para o exercício do jornalismo?”

Estudos citados pela pesquisadora australiana Beate Josephi, em seu artigo “How much Democracy Needs Journalism?”, contestam a afirmação de que o jornalismo só poderia existir em países em plenamente democráticos. Um dado numérico contradiz também o suposto cordão umbilical entre a democracia e o jornalismo. Segundo um informe da Associação Mundial de Jornais (World Association of Newspapers), a imprensa cresceu mais em países onde a entidade aponta restrições ao fluxo de informações, como os situados na Ásia e na África. [No informe divulgado em 2010, com base em dados do período 2004/2009, a imprensa asiática, em especial a chinesa e a indiana, cresceu 30%, enquanto nos EUA e Europa a queda foi de respectivamente 10,6% e 7,9%.]

O paradoxo indica que mesmo com limitações impostas por governos, castas, empresas ou grupos políticos, o jornalismo é capaz não apenas de sobreviver como de crescer em circunstâncias adversas. Mostra também que a hegemonia da cultura informativa ocidental está cedendo terreno a outras culturas como parte da globalização noticiosa. E deixa transparente a defasagem nos processos de transição da era analógica para a digital na base social de países ricos, pobres e em desenvolvimento.

A prova talvez mais evidente da quebra dos paradigmas de associação entre jornalismo e democracia é o caso da rede de televisão árabe Al Jazeera, um dos fenômenos mais controvertidos na comunicação mundial. A rede registra um surpreendente crescimento para públicos muito diferentes, inclusive o norte-americano, mesmo sendo controlada por um governo conservador e que restringe o livre fluxo de informações domésticas no emirado do Catar.

A ideia central por trás da associação entre democracia e jornalismo é a de que a função da imprensa é formar cidadãos capazes de fazer o sistema político funcionar eficientemente. Esta ideia está perdendo o seu caráter hegemônico na medida em que as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) conferiram relevância crescente à produção de conhecimento como elemento-chave para o desenvolvimento social, econômico e político.

O novo parâmetro não é mais prioritariamente o funcionamento de um sistema político, mas a forma como o jornalismo contribui para a produção de conhecimento socialmente relevante por meio da diversificação de dados, percepções e informações. A política não deixará de existir, mas ela cumprirá uma função mais relacionada à comunicação interpessoal do que ao exercício do poder.

Trata-se de uma mudança de paradigmas que está ainda em fase incipiente, mas que promete muita discussão em todos os níveis. A liberdade no fluxo de informações já não é mais apenas uma reivindicação libertária, mas passa a ser também uma exigência econômica para a produção de conhecimento voltado para a inovação tecnológica.