Quando se tenta avançar da justaposição pura e simples de áudio,imagens, texto e interatividade para um modelo mais integrado de narrativa multimídia, o principal obstáculo não são as tecnologias mas sim valores entranhados há séculos na cultura ocidental e que nos transformaram em escravos do texto.
Esta lição está sendo aprendida, há duras penas, pelos estudantes de comunicação tanto da graduação como da pós-graduação, bem como pelos jornalistas que desafiam os procedimentos convencionais para explorar o território das histórias contadas por meio de sons, vídeos, texto e por redes sociais.
O jornalismo multimídia online ainda é um sonho mas estudos teóricos feitos nos Estados Unidos e Europa indicam que ele vai gerar uma nova narrativa cujo poder de envolvimento do leitor supera tudo o que a humanidade experimentou, até agora, em matéria de contar histórias.
A narrativa jornalística multimídia vai permitir a “imersão virtual” do público na notícia ao incorporar o impacto visual, o condicionamento sonoro, a interpretação pelo texto e o compartilhamento de experiências por meio das redes sociais. Por enquanto a gente só pode imaginar como será e limitar-se a adivinhar quando isto se tornará uma realidade.
Mas o caminho está cheio de dificuldades bem concretas. A primeira delas foi a resistência das empresas de comunicação em alocar os recursos financeiros para financiar a transição ao jornalismo multimídia integrado. As incógnitas tecnológicas eram muitas, o modelo convencional de negócios das empresas entrou em crise e a opção adotada quase que por unanimidade foi incorporar a expressão multimídia no marketing corporativo mas promover uma justaposição de áudio, texto, imagens e um simulacro de rede em plataforma Web.
Agora estamos começando a descobrir que os obstáculos ao jornalismo multimídia online não se limitam a questões financeiras ou corporativas. A dificuldade dos profissionais e estudantes de desenvolver narrativas jornalísticas integradas do ponto de vista da multimídia tem a ver também com o rompimento de uma cultura onde os sons e imagens foram sufocados pela tradição da escrita como forma preferencial de comunicação.
A tradição oral foi mantida apenas em grupos sociais isolados, como é o caso de indígenas. Nós perdemos a capacidade de contar histórias pela via oral. Para constatar isto basta ir a redação de um telejornal ou de uma emissora de rádio, onde as notícias são escritas para serem lidas, quando o normal seria que os apresentadores simplesmente contassem a história do que está acontecendo.
Ou peça para um estudante fazer uma apresentação verbal de improviso. O curto circuito mental é inevitável. O mesmo acontecerá se você pedir para que façam um desenho sobre a dívida externa. Há uma paralisia mental imediata pela nossa dificuldade de imaginar. Locutores profissionais de larga experiência, simplesmente entram em pânico na hora de contar uma história sem script.
O jornalismo da TV Globo gastou quase 20 anos para levar os repórteres de campo a se libertar do texto escrito na hora de narrar uma reportagem. Houve até uma fase em que os profissionais escreviam o texto, gravavam em fita de áudio e depois reproduziam diante da câmera, como se fossem ventrílocos, o que ouviam num minúsculo fone de ouvido.
A narrativa multimídia integrada nos obriga a aprender uma maneira inteiramente nova de transmitir notícias e informações. Nossa cultura informativa nos induz imediatamente a uma narrativa seqüencial, lógica e racional. Corremos imediatamente para o papel ou para o computador.
Na multimídia, enquanto o processo narrativo não se tornar automático, teremos que pensar nos componentes visuais, auditivos, textuais e interativos de uma notícia, antes de começar a detalhá-la. Isto equivale a ver qual o seu conteúdo em ação (para ser contada em imagens), o seu contexto (causas e consequências, cuja apresentação fica melhor em texto), emoção (som ambiente, música ou locução) e coleta de experiências do público (por meio das redes).