É isto mesmo. Indivíduos ou grupos de indivíduos se juntam para pagar um jornalista para investigar um assunto de interesse coletivo. Este é o objetivo de dois projetos em curso nos Estados Unidos e que pretendem explorar novas possibilidades de financiamento do jornalismo praticado por autônomos na internet.
À primeira vista, as propostas do Spot.Us e do Representative Journalism contrariam um dos dogmas da profissão, segundo o qual o jornalismo não pode ser feito por encomenda para preservar a isenção e objetividade da reportagem. Mas quem conhece as entranhas de uma redação de jornal sabe que a realidade é bem outra. O dogma da isenção e da objetividade perdeu consistência na medida em que hoje um mesmo fato ou processo pode ter muitas percepções diferentes.
O projeto Spot Us é a mais ousada das duas experiências porque se apóia no controvertido conceito de financiamento coletivo (crowdsourcing), uma modalidade de coleta de pequenas doações em dinheiro, que já foi aplicada com êxito no financiamento da campanha do presidente eleito dos Estados Unidos Barack Obama.
O site do Spot Us foi lançado oficialmente no início de novembro e já tem duas histórias financiadas e sete na lista de espera de doadores. As sugestões de temas de reportagens investigativas são publicadas na página do projeto para captar doações segundo o interesse que despertam entre os usuários do Spot Us. Cada doador pode dar no máximo 12% do custo total da investigação, segundo estimativa do autor da sugestão.
Quando a história obtém os recursos necessários, o dinheiro é entregue ao autor da sugestão — que é obrigado a executá-la no prazo previsto e submeter todo o material a um editor designado pelo projeto para verificar a autenticidade das informações. Depois disso a reportagem é oferecida gratuitamente a jornais, revistas ou emissoras de rádio e televisão.
Se algum veículo desejar exclusividade, ele pagará os direitos ao autor da reportagem ficando uma taxa com o Spot Us. Um jornal poderá também obter a exclusividade se financiar metade do custo da reportagem. Quando as doações não atingirem o valor estipulado, o dinheiro é devolvido aos doadores.
Ainda é cedo para dizer se o projeto dará certo ou não. Todas as histórias sugeridas até agora têm a ver com questões locais e de interesse comunitário na região de São Francisco, nos Estados Unidos, e seus orçamentos não ultrapassam os mil dólares.
Já o projeto da organização Representative Journalism (Jornalismo Representativo) se apóia na contratação de um jornalista profissional encarregado de produzir material informativo para a página Locally Grown, dos moradores da cidade de Northfield, no estado de Minnesota. O objetivo é produzir notícias locais para gerar interesse dos moradores e com isso atrair anunciantes também locais.
Os dois projetos receberam financiamento da Fundação Knight, que distribui 25 milhões de dólares para iniciativas jornalísticas voltadas para a cobertura de temas comunitários em vários países.
O Spot Us e o Representative Journalism têm propostas diferenciadas quanto aos seus objetivos, mas compartilham da mesma preocupação: testar fórmulas capazes de garantir a sustentabilidade financeira, no médio e longo prazos, de projetos baseados em informação comunitária com participação de jornalistas e membros da comunidade na produção de notícias.
Independente dos resultados financeiros de ambas as experiências, elas lançam também um debate sobre novas alternativas editoriais na medida em que os procedimentos e os valores convencionais adotados na maioria das redações jornalísticas estão sendo substituídos por novas rotinas baseadas na produção colaborativa de informações e numa nova concepção de noticia, a partir da qual ela é vista mais como o resultado de uma troca entre o jornalista e seu publico do que de uma decisão unilateral tomada nas redações.