O empresário Nelson Tanure arrendou títulos importantes, o Jornal do Brasil e a Gazeta Mercantil, pratica uma política miserabilista e faz uso negocial mal disfarçado do controle desses jornais. Foi chamado de predador pelo presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Fred Ghedini, a quem processa por isso.
No domingo(15/1), o Jornal do Brasil fez uma retaliação contra dois jornalistas do Estado de S. Paulo, Lourival Sant´Anna e Alberto Komatsu. O JB deu com grande espalhafato duas páginas a pretexto de denunciar a liberdade condicional do jornalista Antônio Pimenta Neves, que no ano 2000 matou a tiros a também jornalista Sandra Gomide, sua ex-namorada. Mas o alvo eram reportagens publicadas em dezembro no Estado de S. Paulo. No dia 18, reportagem de Sant´Anna, que era subordinado a Pimenta no Estadão, traçou um perfil do empresário Tanure. No dia 19, nova reportagem, de Komatsu, sobre Tanure e a Varig. No dia 25, Sant´Anna recapitulou um antigo negócio no ramo das ferrovias em que os personagens foram Tanure, Paulo Maluf e Delfim Netto. Ontem (17/1) o Jornal do Brasil e a Gazeta Mercantil abriram baterias contra o trabalho jornalístico de Lourival Sant´Anna. Os jornalistas do Estadão estão sendo processados por Tanure, mas ele não se contentou com isso. Usou seus veículos para retaliar. Há muito tempo não se via nos grandes jornais brasileiros esse tipo de guerra suja.
O jornalista Lourival Sant´Anna, repórter especial do Estado de S. Paulo, deu ao Observatório da Imprensa a entrevista abaixo. Ele chama a atenção para o fato de que os textos publicados contra ele no Jornal do Brasil desde domingo não são assinados. Não se trata de material rotineiro de redação, como tantos textos apócrifos. É uma ofensiva pessoal contra o jornalista do Estadão. Sant´Anna diz que a associação de idéias, em que ele aparece ligado ao assassinato da jornalista Sandra Gomide pelo jornalista Pimenta Neves, ao Dossiê Cayman, a Jayson Blair, repórter-cascateiro do The New York Times, parece um sonho: “É como se fosse um delírio, alguém em estado febril que mescla – no caso involuntariamente – coisas que aconteceram com coisas que são fantasias, ficções. Infelizmente, nesse caso é feito de forma consciente”, afirma o repórter do Estadão.
Quase sempre se soube nas redações, ao menos à boca pequena, quem era encarregado desse tipo de tarefa. Como Nelson Tanure, o dono, e Marcos Troyjo, vice-presidente de conteúdo do Jornal do Brasil e da Gazeta Mercantil (nenhum dos dois quis falar ao Observatório), não são do ramo, fica no ar a pergunta: quem escreveu e quem editou os textos?
Mas o que importa é que o passo pode ter sido desastrado demais. Jornais, como gosta de lembrar Roberto Müller Filho, que comandou a Gazeta Mercantil em seu período áureo, são empresas privadas que precisam ter fé pública. Talvez Nelson Tanure tenha ido longe demais ao promover no Jornal do Brasil e na Gazeta Mercantil um retrocesso ao jornalismo marrom.
Eis a entrevista.
As reportagens sobre Tanure
“No dia 13 de dezembro fui pautado para fazer um perfil de Nelson Tanure, que estava fazendo uma proposta para comprar a Varig. Naturalmente, procurei Nelson Tanure, para ouvi-lo, escrevi um e-mail no qual eu dizia que iria ouvir pessoas que tiveram negócios com ele, e que o perfil sairia no dia 18, um domingo. Ele respondeu, através de Marcos Troyjo, que é o preposto dele no Jornal do Brasil e na Gazeta Mercantil, que também faz as vezes de assessor de imprensa, é vice-presidente de conteúdo desses dois jornais – não é jornalista, por sinal, é diplomata –, Troyjo disse que Tanure falaria comigo só a partir do dia 20. Porque no dia 19 era a assembléia da Varig e ele não tinha interesse em falar antes disso. Naquela assembléia de credores ia ser votada a proposta dele.
E a direção do jornal resolveu de qualquer maneira publicar no dia 18, porque jornalisticamente era o mais conveniente. A proposta de Tanure podia ser rejeitada no dia 19 e o perfil perderia o interesse. Foi exatamente o que aconteceu. Nós publicamos no dia 18 e no dia 19 de fato foi rejeitada a proposta.
No dia 23, uma sexta-feira, esteve aqui no jornal Marcos Troyjo. Trouxe uma carta de 17 páginas contestando as informações da matéria e falando de um dossiê apócrifo que existe sobre Tanure. Estávamos o Sandro Vaia [um dos diretores do Estadão] e eu, e eu disse a ele que esse dossiê não foi a base da minha reportagem. Foi apuração em “off”, e também muitas daquelas coisas haviam sido publicadas e não contestadas pelo Nelson Tanure. Publicadas no Estadão, principalmente, e em outros jornais também, ao longo dos últimos anos.
Eu estava com uma outra matéria sobre o Nelson Tanure, porque quando saiu a minha matéria um pessoal de Araraquara me procurou para contar uma história incrível de vinte e tantas locomotivas encaixotadas, que estão lá há muitos anos, e que o Emaq, um estaleiro que Tanure comprou, havia sido contratado para montar, e não montou, e, segundo a Fepasa, na época, recebeu o dinheiro para montar. Eu aproveitei e passei perguntas para Marcos Troyjo. Ele consultou Tanure e respondeu às perguntas. No dia 25 de dezembro, também domingo, saiu publicada essa outra matéria, com uma versão de Tanure.
Nessa visita de Troyjo ele nos disse que ainda havia possibilidade de uma entrevista com Tanure e nós dissemos: Olha, temos todo o interesse, queremos ouvi-lo. Ele saiu daqui dizendo que ia ver com Tanure. No dia 25 saiu a matéria das locomotivas e nós continuamos insistindo com a entrevista. Troyjo disse que Tanure estava refletindo sobre a possibilidade de dar a entrevista.
Mas já na última semana de dezembro saiu aquele anúncio publicitário dizendo que Tanure ia me processar. A mim e ao meu colega Alberto Komatsu, da sucursal do Rio, por outras reportagens, que ele publicou.
Eu entrei de folga no feriado do fim de ano e no início do mês voltei a entrar em contato com Troyjo. Perguntei se ia haver a entrevista. Como nós temos essa carta do Tanure, eu falei para Troyjo: Eu quero dar ao lado a versão dele dos fatos, mas se houver a entrevista, para não ser redundante, eu quero esperá-la. E ele disse que Tanure estava refletindo sobre isso.
Fui para Jerusalém cobrir Ariel Sharon, e voltei no fim de semana, quando foram publicadas essas duas páginas no JB.
As reportagens sobre Sant´Anna
Com relação ao que foi publicado no JB, eu mandei uma carta que não foi publicada, mas, resumidamente, é o seguinte.
A matéria afirma que Pimenta me disse que ia matar a Sandra. Isso não é verdade. Eu nunca tive esse tipo de conversa com Pimenta, assuntos pessoais, de namoro, relacionamento dele com Sandra. Minha relação com Pimenta era muito de trabalho, muito profissional. Nós nunca nos encontrávamos fora do jornal. Tínhamos muito o que conversar sobre o jornal, muito trabalho, e não tínhamos um precedente de amizade.
Até hoje eu não sei direito detalhes desse caso, porque quando voltei de férias tive que assumir o jornal, fiquei muito ocupado, não tive tempo de ler sobre o assunto. Não sei direito por que Pimenta matou Sandra.
Entrei em férias em agosto de 2000 e Pimenta matou Sandra no dia 20. Eu estava nos Estados Unidos, recebi a notícia lá e continuei lá. Conversei com doutor Ruy (Mesquita). Eu estava com um problema de saúde na época. Meu pai tinha morrido, eu tive um problema resultante da comoção com a morte do meu pai, e o doutor Ruy, muito gentil, falou: ´Lourival, não volte. Fique aí, fique tranqüilo, se recupere. Quando você voltar você vai ter muito trabalho´.
Tínhamos uma equipe muito boa aqui, e eles editaram o jornal normalmente. Portanto, também não é verdade que eu tenha editado o jornal naqueles dias. Ele afirma que eu fiz uma edição favorável a Pimenta. Eu não estava no Brasil e, aliás, acho que as edições foram muito boas, muito corretas, apesar de ter sido um momento muito difícil para quem estava aqui, para todos nós.
Voltei e assumi interinamente a direção do jornal, fiz uma transição naquele período, o Sandro Vaia assumiu. Tanto ele como o Fernão Mesquita e o doutor Ruy, me convidaram para ficar. Resolvi sair, tinha um convite da CNN. Fui para a CNN, não gostei, fiquei três meses e voltei, pedi para ficar como repórter especial. E aqui já desminto uma coisa que saiu hoje, que eu caí depois que o Pimenta saiu. Eu jamais caí do jornal. Eu saí porque quis e voltei porque quis.
Nunca, nesses cinco anos e meio, alguém me vinculou a essa história do assassinato. Eu não fui arrolado com testemunha, nem de acusação, nem de defesa. Porque eu sempre fui muito percebido como alguém que tinha uma relação só de trabalho. Pimenta tinha amigos aqui, e fora daqui, mas eu não estava entre esses amigos.
Na matéria de domingo se conta a história de uma festa na casa da jornalista Márcia Raposo, à qual eu teria ido, e Pimenta também. Não conheço Márcia Raposo, nunca fui a nenhuma festa na casa dela, nunca fui a nenhuma festa com Pimenta. Faz cinco anos e meio que não tenho nenhum contato com Pimenta, de nenhum tipo.
Esse dossiê apócrifo não é a base da minha reportagem, não faço idéia de quem o tenha escrito. Acho inteiramente improvável que Pimenta tenha algo a ver com isso, embora eu não tenha nenhum contato com ele. Acho que não faz sentido imaginar isso.
‘É como se fosse um delírio’
Resumindo, acho que o objetivo dele foi fazer com que nos arquivos, e principalmente na internet, ficassem constando textos em que aparecem o meu nome e a descrição de um crime, de um assassinato.
Com relação a hoje, ele fala do meu livro. Realmente naquela época não se podia entrar no Afeganistão. Eu entrei, entrevistei uma liderança regional do Taleban e saí. Isso está muito bem descrito no livro mesmo. Nunca sofri nenhum tipo de constrangimento por causa disso, é mentira que alguém lá em Goiânia tenha perguntado alguma coisa sobre isso. É mentira que Delúbio Soares foi ao lançamento do meu livro, isso não aconteceu. Não é meu amigo, não tenho nenhum relacionamento com ele.
Não sei onde foram tiradas essas coisas. As matérias não são assinadas. É como um sonho em que se misturam algumas coisas, alguns fatos – realmente eu publiquei um livro, realmente eu era o número dois, era o editor-chefe, realmente Pimenta matou Sandra –, existem coisas que são verdadeiras, mas se misturam com outras, para que uma pessoa que não tenha nenhuma informação sobre mim pense que aquilo ali faz algum sentido. Sinceramente, acho que não faz sentido para quem lê.
Fica uma coisa difusa, e ele faz associações. No domingo tinha o Dossiê Cayman. Eu nunca tive nada a ver com o Dossiê Cayman. Hoje tinha o Jayson Blair, do New York Times. São associações livres. É como se fosse um delírio, alguém em estado febril que mescla – no caso involuntariamente – coisas que aconteceram com coisas que são fantasias, ficções. Infelizmente, nesse caso é feito de forma consciente.”
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