O leitor Sidnei Brito escreveu:
Só um comentarinho: quem mais cometeu ‘erros metodológicos graves’ nos últimos tempos não foram os políticos, não; foi a imprensa. Esta sim foi muito seletiva na hora de escolher de ‘qual corrupção’ falar. Aliás, de uns ela nem falou!
Resposta:
Eu evitaria as designações genéricas ‘os políticos’ e ‘a imprensa’. É preciso dar nome aos bois. Sobretudo é preciso descrever os fenômenos.
Com uma freqüência espantosa, embora compreensível, dada a massa de informações que recebemos, ou a massa de fatos a analisar, passamos ao largo de um conhecimento melhor e usamos ‘próteses mentais’ para dar conta do assunto.
Ou seja: não conhecemos direito certos assuntos (tantos, tantos), mas precisamos dizer algo a respeito deles. Então procuramos encaixar os fatos numa construção mental lógica. Aí surgem o ‘provavelmente’, ‘deve ter sido por isso’, etc. Sem falar nas construções claramente preguiçosas, como o famoso ‘pelo menos três pessoas foram ontem pedir o dinheiro de volta’, etc. ‘Pelo menos’ = o repórter não sabe quantas pessoas foram, mas viu ou soube de três casos.
Ninguém é ‘imparcial’
De volta ao tema: há políticos acusados de ser muitíssimo corruptos, muito corruptos, mais ou menos corruptos, um pouquinho corruptos, há os tidos como ‘quase honestos’ e honestos (como seria a obrigação de todos; não é mérito de ninguém ser honesto, a menos que ele seja o único honesto sobre a face da Terra, ou em Sodoma e Gomorra, como Lot, na fábula bíblica). Há jornais e jornalistas muitíssimo facciosos (a Tribuna do Norte, de Natal, para dar um mísero exemplo, publica matéria paga por um de seus proprietários, o deputado Henrique Eduardo Alves, com dinheiro da Câmara), muito facciosos, mais ou menos facciosos, um pouquinho facciosos, ‘quase imparciais’, digamos. Não os há imparciais. Ninguém é ‘imparcial’, por definição. Definição quase técnica do processo de conhecimento e formação de opinião.
Esse tema vai e volta desde junho de 2005. Participantes e adeptos íntegros do governo, passado o primeiro susto, preferiram não ver o tamanho do buraco e atribuir ‘à mídia’ um antagonismo que ela não praticou. (Um desses é o atual ministro da Justiça, Tarso Genro.) Não praticou. No essencial, não praticou, insisto.
Franklin Martins abre o livro Jornalismo político (2005) comparando manchetes de jornais em véspera de eleição na década de 50 e agora. Ele mostra como os jornais se tornaram muito menos facciosos.
Vou pinçar dois exemplos:
‘Para o Brasil, Brigadeiro. Dá à tua terra o governo que ela merece’ (Estadão, no dia da eleição, 3/10/1950).
‘Pesquisas indicam Lula presidente’ (Estadão, no dia da eleição, 27/10/2002).
Não entrou no livro, evidentemente, mas poderia ser acrescentada a seguinte:
“Lula chega ao 2º turno com 21 milhões de votos à frente” (Estadão, no dia da eleição, 28/10/2006).
O recado nefasto do presidente
Quando o presidente da República finge que não viu ou diz que não sabia, que foi traído, depois diz que “todo mundo faz” (aparentemente, do ponto de vista de suas ambições políticas, não tinha outra saída; e sempre poderá argumentar que assim evitou uma crise braba), manda um recado muito ruim para a sociedade. E coloca jornalistas (e promotores, policiais, juízes, o homem da rua) em situação difícil.
Espero que jornalistas “quase imparciais” se obstinem em não esquecer nunca o que aconteceu.
(E, segundo o presidente do PTB, Roberto Jefferson, em entrevista à IstoÉ desta semana, está acontecendo novamente. Jefferson é o que é, mas de uma coisa não pode ser acusado: de estar “por fora”. Por falar nisso, ele propõe para Lula o mesmo que o Estadão propôs para Collor no dia da posse desse, 15 de março de 1990: aprovar o parlamentarismo e permanecer indefinidamente como presidente; eu adoraria rever a primeira página do Estadão daquele dia, ou daquele período – a memória trai –, com a foto de Collor e, numa seqüência, seu envelhecimento feito por computador. Sabem até quando ia a simulação? Até 2020. Pelo gosto do Estadão, Collor ficaria alegremente 30 anos no poder.)
Se os jornalistas deixarem cair essa bandeira, faltarão a seu dever profissional e prestarão péssimo serviço à sociedade brasileira.
Sim, e não devem concentrar suas atenções apenas em Brasília. Há quantidades industriais de bandalheiras em curso em todas as unidades da Federação, governadas pelos mais diversos partidos, e num número gigantesco de municípios. Só não digo “todos os municípios” para não incorrer no mesmo erro de generalização que critico no leitor.