Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalistas na faculdade, professores na redação

Esta pode ser a saída para um problema que já era grande antes da internet e aumentou ainda mais de intensidade na era digital. Academia e redações sempre tiveram uma relação tensa por conta de prioridades diferentes na forma de encarar o exercício do jornalismo. Agora, a crise no modelo de negócios das empresas jornalísticas e a preocupação dos profissionais em encontrar alternativas para o enxugamento das redações criaram uma situação em que a academia e as redações estão condenadas a buscar um novo relacionamento.

O programa “Back to Newsroom” (De Volta às Redações) é uma das raras experiências em curso no mundo da comunicação onde a meta é dar aos professores de jornalismo a oportunidade de conviver durante algum tempo com a dinâmica das redações na era digital. O projeto é uma iniciativa do International Center for Journalists (Centro Internacional de Jornalistas) e tem como objetivo, além da troca de experiências e perspectivas profissionais, buscar estratégias para ampliar a diversidade étnica e cultural nas redações norte-americanas.

Alguns professores que participaram das primeiras turmas do “De Volta às Redações admitiram que há uma grande defasagem entre o que é ensinado nas faculdades e o que é praticado nas redações em matéria de jornalismo em ambiente digital. Embora, por exemplo, o discurso da convergência de plataformas seja consensual nas faculdades, ele assume outra perspectiva na prática das redações. A maioria dos cursos ensina os alunos a usar o vídeo segundo técnicas da televisão e não conforme as condições para aplicação em telas pequenas como tablets e celulares.

Mas o retorno às redações pode ir muito além das questões técnicas na nova realidade digital do jornalismo. E a principal delas está na discussão das mudanças no contexto social, econômico e cultural no qual está inserido o jornalismo praticado na internet. Há um enorme descompasso entre as universidades e as redações na forma de encarar o jornalismo dentro da chamada sociedade da informação e do conhecimento. A academia avançou muito mais do que as redações na análise das mudanças estruturais e conjunturais da comunicação na era digital. Mas em compensação tem grande dificuldade em acompanhar o surgimento ininterrupto das chamadas TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) e mais ainda de verificar as consequências sociais e econômicas da inovação tecnológica.

As redações tendem a encarar as TICs como meras ferramentas para agilizar o trabalho de repórteres e editores, deixando de ver que a chamada revolução digital é muito mais do que a substituição do telex e da máquina de escrever pela internet e pelo computador. A desatenção com as consequências sociais das TICs levou as redações a não perceber como a revolução digital está mudando a natureza do jornalismo praticado na era da digitalização e da computação.

O jornalismo está deixando de ser uma atividade predominantemente voltada para a produção da commodity notícia para se transformar num componente indispensável da produção de conhecimento – e, através dele, da geração de capital social, um item obrigatório para crescimento social e econômico de comunidades sociais. A notícia jornalística está perdendo a sua condição de mercadoria de troca por anúncios publicitários para ser o elemento gerador de informações, que por sua vez são a matéria-prima do conhecimento.

A troca temporária de papéis entre professores e profissionais no jornalismo é talvez a única forma disponível no momento para procurar eliminar, ou pelo menos reduzir, o descompasso entre redações e academia no que se refere às incompreensões mútuas sobre o papel da atividade jornalística na conjuntura atual.

O programa “Back to Newsroom” prioriza o intercâmbio entre redações e as faculdades de jornalismo, mas a atividade informativa é hoje cada vez mais interdisciplinar. É impossível desenvolver um jornalismo voltado para a produção de conhecimento sem uma interação com outras disciplinas. A velha técnica de “pescar” na economia, por exemplo, os dados para inserção no contexto da notícia commodity visando a audiência, afastou o jornalismo profissional dos centros de pesquisa acadêmica.

O jornalismo na era digital é uma atividade multi e interdisciplinar, ou seja, ela precisa de outras disciplinas para poder cumprir com a sua função de participar na produção de conhecimento socialmente relevante. A academia não é uma espécie de reserva intelectual do jornalismo, um banco de conhecimentos que é consultado em momentos de necessidade ou quando o jornalista precisa dividir a responsabilidade de uma informação com algum professor ou pesquisador. 

A troca temporária de papéis é uma oportunidade única para buscar uma nova relação entre as redações e a academia. A experiência do “Back to Newsroom” sinaliza um caminho a ser percorrido, ampliado e diversificado. Caso isso não aconteça, os dois lados sairão perdendo.