Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalistas no alvo: Incoerência, corporativismo, omissões e falsas atribuições

O colunista da Veja, Diogo Mainardi, nesta semana, descarrega sua irritação sobre os jornalistas. O alvo é Marcelo Netto, assessor de imprensa do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o corporativismo atávico dos profissionais de imprensa que, diz ele, impediu, em mais de uma ocasião, a publicação do nome do responsável pelo publique-se da quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, que trabalhou na ‘central de negócios’, segundo a definição de Wladimir Poleto, um dos enrolados e enrolões ex-assessores do ministro, quando foi prefeito de Ribeirão Preto.

A coluna repete oito vezes ‘Marcelo Netto’, apenas no título e intertítulo, e acusa, com razão, que ‘jornalistas não denunciam jornalistas’, numa vexaminosa comparação com ‘deputados’. Marcello Neto ‘pode explicar, por fim, o caminho que o extrato bancário tomou a partir do momento em que foi parar em suas mãos. Um dos filhos de Marcelo Netto, Matheus Leitão, é repórter da Época. O chefe da sucursal da revista em Brasília, Gustavo Krieger, mandou-o correr atrás do material sobre o caseiro’, continua. ‘Ele correu. E a Época o publicou. O episódio é ilustrativo dos esquemas de aliciamento, apadrinhamento e cumplicidade do petismo. Um protege o outro. Um defende o outro. Um conluia com o outro. Um contrabandeia mercadoria ilícita para o outro’.

Embalado pela lista de pecados, a coluna omitiu o nome da mãe de Matheus Leitão, que vêm a ser a colunista (O Globo) e repórter especial e apresentadora (GloboNews) Miriam Leitão. Ela nada tem a ver com a história, mas por certo preocupou-se com o envolvimento de seu filho na eventual cumplicidade que pode apontar para Matheus como elo da cadeia que efetivou a efetivação do crime de quebra de sigilo.

Época foi criticada e questionada por esse Observatório e hoje é posta de novo de joelhos sobre o milho pela coluna do ombudsman da Folha de S.Paulo, Marcelo Beraba. Diz ele, de acordo com sublinhado pelo blog vizinho ‘Verbo Solto’, cuja leitura se recomenda:

‘A revista estava com uma grande história e não deu atenção: os extratos foram obtidos através da violação criminosa do sigilo bancário do caseiro dentro da CEF, banco subordinado ao ministro Palocci. Este, por enquanto, o grande escândalo. A revista ignorou o crime e, mesmo diante da falta de provas contra Francenildo, decidiu expor publicamente sua vida familiar. Uma completa inversão de critérios jornalísticos’.

Época se defende, no mesmo texto, alegando que as informações eram de ‘interesse público’ e que a Constituição lhe garante a ‘preservação das fontes’.

O destaque ostensivo ao aspecto criminal, entretanto, padece da arraigada amnésia seletiva disseminada na imprensa. Quebras de sigilo sempre abrilhantaram as mais nobres coberturas da imprensa na história recente da República. O caso clássico é o do impeachment de Fernando Collor de Mello; outro, inesquecível, é o do grampo no telefonema ‘no limite da responsabilidade’ entre o ex-diretor do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio, e o ex-presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, que defendia uma ajudazinha para o insuspeito Banco Opportunity. O caso mais recente é o do ex-deputado José Dirceu.

O que é verdadeiro é que, em nenhuma dessas ocasiões, a imprensa deu tamanha atenção para o aspecto criminal, tampouco se enojou com a mesma repugnância ao crime de violação de dados pessoais.
A explicação à diferença de tratamento e intensidade pode ser o fato de que caseiro é um cidadão humilde, desprotegido diante da opressão do estado, enquanto os demais ocupavam cargos do mesmo estado opressor.

Outro escorregão que merece citação, por lamentável, está na reportagem ’40 questões do dia-a-dia sobre o que é certo ou errado’. Na abertura das lições de ‘ética cotidiana’, Veja atribui ao escritor João Ubaldo o texto ‘Precisa-se de matéria-prima para construir um País’. Com a pompa característica, a revista descarrega:

‘Os intelectuais tendem a acreditar na pureza natural do povo e na corrupção mandatória de qualquer governante ou membro da elite de um país. Será assim mesmo? ‘O problema está em nós. Nós como povo. Nós como matéria-prima de um país’, escreveu recentemente o cronista João Ubaldo Ribeiro sobre o tema da corrupção. Ver defeitos no povo não é a regra. João Ubaldo é exceção. Não há dúvida de que a ética dos governantes se inter-relaciona de alguma forma com a ética dos cidadãos. Essa relação é muito complexa’.

É complexa mesmo, mas João Ubaldo nada tem a ver com a história. Mesmo que a falsidade sustente a premissa de que ‘os intelectuais tendem a acreditar’. Trata-se, na verdade, de mais um texto de autoria fantasma, que volta e meia vira milhares na reprodução dos e-mails. Em 7 de novembro passado, o escritor negou a esse mesmo blog qualquer relação com o texto reproduzido agora pela revista. ‘É a enésima vez que me perguntam isso’, reagiu, com enfado, na época.
Ubaldo, um dos maiores romancistas brasileiros, desmentiria a autoria que lhe é atribuída. Bastava telefonar ou lhe enviar um mail.

A propósito de aspectos criminais do noticiário, recomenda-se fortemente a reportagem ‘Na cadeia por pequenos furtos’, de Rosa Bastos, O Estado de S.Paulo, a propósito dos 128 dias de cadeia que a doméstica Angélica Aparecida Teodoro puxou por ter furtado – ou roubado, há controvérsias nos tribunais sobre a tipificação do crime – um pote de margarina, em São Paulo. O panorama antecipado pelo subtítulo estarrece: ‘Um terço das mulheres do Cadeião de Pinheiros, em São Paulo, foi detido por levar comida, fraldas, batom, lápis de olho’

Ainda sobre citações anteriores, outra leitura indispensável é a reportagem da manchete principal da Folha de S.Paulo de hoje, ‘Nossa Caixa beneficia aliados de Alckmin’, onde ressurge a empresa Quest Investimentos, ‘gestora independente de recursos financeiros’, segundo seu site, que tem à frente o mesmo Luiz Carlos Mendonça de Barros mencionado no trecho sobre quebras de sigilo.

O rol de empresas beneficiadas aponta que a maioria delas é ligada a empresas de mídia, entre emissoras de agências de publicidade, emissoras de tevê e editoras, com intensa participação de jornalistas, levando o final desse post para a verdade apontada pelo colunista Diogo Mainardi: jornalista não denuncia jornalista.
No dia em que abrirem essa panela, recomenda-se que se tampe o nariz.