O comentário abaixo foi recebido na noite deste domingo (14 de janeiro) do leitor Armando Tambelli, professor, morador de São Paulo. Ele recapitula algo de que eu já tinha tido informação, mas havia esquecido: a divulgação do chamado estatuto do PCC no Diário Oficial do Estado de São Paulo, em 1996, por iniciativa do então deputado estadual Afanázio Jazadji, que presidida uma CPI. Esse fato aparece, por exemplo, se não me falha a memória, na edição especial sobre o PCC da revista Caros Amigos que foi para as bancas em 19 de maio de 2006 (ver “Promotor diz que jornalistas colaboraram com bandidos”).
É uma informação que não muda o sentido da entrevista dada aqui pela repórter Fátima Souza (clique aqui para ler), mas retifica a informação de que ela foi a primeira pessoa a mencionar o PCC. E apresenta outras informações de alta relevância para a crítica da mídia, como a análise do comportamento de jornalistas ao longo dos anos. As colaboração de leitores que acrescentam informações têm um valor inestimável. Fica aqui meu agradecimento a Tambelli.
Eis o comentário de Armando Tambelli (entretítulos e observações entre colchetes acrescentados por mim):
As duas ´fundações´ do PCC
“Leio sempre e com muito gosto seus artigos neste Observatório e o objetivo deste post não é polemizar ou desdizer a entrevistada, ao contrário, aguardo com muita expectativa o livro a ser lançado para acrescentá-lo à muita documentação que possuo sobre o sistema prisional. Atuei em presídios do Brasil e de outros países entre 1985 e 2001, sempre como agente de pastoral carcerária da Igreja Católica, e tive a oportunidade de conhecer interna e proximamente as condições em que se gestou o que conhecemos como PCC.
O Partido – como é chamado pelos presos – tem duas ´fundações´: uma imediata – no ´Piranhão´ de Taubaté, única prisão de segurança máxima para penalização interna no Sistema Carcerário até praticamente 1999 –, em 1993; e outra em 1996, quando da publicação dos seus ´estatutos´ no Diário Oficial do Estado, obra do deputado Afanázio Jazadji, presidente de uma CPI à época. Nessa publicação aplicou-se uma glosa que é a que fala do PCC em união com o CV [Comando Vermelho] para dominar as cadeias e o crime.
Reação ao Massacre do Carandiru
Os estatutos originais forma concebidos no Pavilhão 7 da antiga Casa de Detenção de São Paulo e foram levados para o ´Piranhão´ por um grupo que foi castigado com transferência após uma rebelião em 1993. Esses ´estatutos´, como muitos outros que existem de muitas outras organizações de presos, faziam parte de uma reação ao massacre de 1992.
Esses presos temiam de, certa forma, cair no regime ´duro´ comandado por ninguém menos que o diretor que permitiu o massacre e que tinha sido transferido para lá [José Ismael Pedrosa, morto a tiros em Taubaté em outubro de 2005]. O Massacre do Carandiru representou um divisor de águas para os presos e para quem trabalhava com eles sob qualquer pretexto, fosse agente do estado ou de outras organizações.
Até hoje faz parte do ritual de iniciação dos poucos que entram para a direção do PCC nas unidade em que eles predominam jurar não permitir que se repita um evento como aquele. É simbólica e é forte esta lembrança e os estatutos confirmam isto.
Quando da pretensa publicação pelo deputado, as glosas (a mais importante das quais já citei) criaram uma certa confusão. O PCC existe e foi confirmado em 1995 e 1996 por visitas da Pastoral e de uma Comissão da OAB chefiada por uma advogada – brilhante, aliás – que veio a trabalhar posteriormente na SAP [Secretaria da Administração Penitenciária]. O relatório está arquivado e pode ser consultado.
Secretário intimou Tambelli para negar existência de facção
Um dos depoentes foi o preso conhecido como Geleião – que, transferido para o Paraná e posteriormente para o Rio de Janeiro disseminou os estatutos. Este preso era, como muitos outros, um preso de respeito pois tinha sobrevivido por mais de 20 anos no Sistema, o que não é coisa fácil e os torna líderes quase que naturais. Ainda em 1996, por declarações que dei a um jornal, fui intimado a dar esclarecimentos em um inquérito aberto por ordem do secretário para investigar a suposta existência do PCC.
Ele queria provar que não existia, mas a história o contraditou. Faço estes reparos não para contradizer ou polemizar com a repórter, mas para reforçar o pouco caso dos agentes do Estado com o descalabro do Sistema Prisional e para o fato de que poucos jornalistas realmente sabem do que se trata quando se fala de cadeia, presos, facções, etc.
Poucos jornalistas tinham informações e conhecimento do assunto
Tive a oportunidade de acompanhar muitos profissionais de jornais, rádios e tevês em visitas e em conversas, além de dar muitas entrevistas, e poucos realmente tinham informações e conhecimento suficiente sobre esse universo. Muitos se satisfaziam com a palavra da autoridade, outros estavam mais propensos ao folclore e excitação do assunto, outros ainda puseram em risco pessoas por conta de dar o ´furo´.
Mas alguns realmente são dignos de respeito e conhecem o assunto. Muito poderia dizer do PCC, mas apenas gostaria de registrar, para um ajuste ´histórico´, digamos, que algumas pessoas já sabiam e investigavam ou acompanhavam o assunto desde o nascedouro.
P.S. – O Macalé citado na entrevista é o preso João Carlos de Souza. Tenho seu pedido de Indulto Humanitário aqui na minha frente. Morreu de AIDS em 1998 sem que o pedido fosse julgado.’