Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Lendo jornal contra o vento

Alguns dias de ‘auto-reflexão’, como diria o agressivo presidente petista Marco Aurélio Garcia, me levaram a concluir o que há de ser óbvio para todos quantos sabem como funciona o mundo – e não deixam que o fígado lhes suba à cabeça na pior hora.

A obviedade se divide em duas partes:

1. Mesmo se, por hipótese, o governo e o PT tratassem a mídia com a incomum ‘condescendência’ que, na visão acertada do presidente Lula, ela tratou o seu antecessor, nem por isso a mídia passaria a tratá-los como desejariam.

2. Mas, tratando-a como a trataram na primeira semana depois da reeleição – exacerbando a agressividade dos últimos quatro anos – podem estar certos de uma coisa: só a tornarão ainda mais hostil.

O resultado será o mesmo qualquer que tenha sido o motivo do recrudescimento dos ataques oficiais e oficiosos aos meios de comunicação. Se a idéia, como aventou Alberto Dines no Observatório no Rádio de quinta-feira, é ‘manter a mídia na defensiva’, para não ir fundo no escândalo do dossiê, trata-se de um tiro no pé digno do Guinness.

Até para desfilar independência como instrumento de marketing, nenhum grande periódico ou emissora baixará a bola diante do Planalto e do seu partido. Sem falar que os meios competem entre si e que essa competição se acentua quanto mais quente a história em pauta.

Não será dando prensa em repórteres numa delegacia federal que se fará o rio mudar o seu curso.

Brigar com a imprensa, quando não se tem como dobrá-la, no Brasil ou em qualquer lugar, é tão contraproducente como tentar ler jornal contra o vento.

O espantoso é que não aprendem com a experiência – própria e recente.

No primeiro quatriênio lulista, nem o governo, muito menos o PT, ganharam uma única queda-de-braço com a mídia: perderam todas. Larry Rohter não foi expulso; o projeto do Conselho Federal de Jornalismo foi abortado; o presidente fez mea-culpa pelas poucas entrevistas que concedeu, prometendo se emendar daqui para a frente.

Razão tem Lula quando diz que bater na imprensa é bobagem – quando quem bate é o poder político –, porque permite aos agredidos dar a volta por cima, no papel de vítima.

Além do mais, os disparos contra a mídia revelam má pontaria. Os meios, na maior parte dos casos, merecem ser duramente criticados não porque trataram mal o PT ao longo da sua jornada ladeira abaixo que começou com o Waldogate e terminou (terminou?) com o dossiê, mas porque vêm tratando bem demais tucanos e pefelistas desde os anos Fernando Henrique.

Ecoaram, quando não amplificaram, ou até fabricaram, os ‘erros’ petistas. Murmuraram, quando não calaram, sobre os ‘erros’ dos seus adversários, no plano federal e nos Estados.

E o curioso é que, salvo engano, não apareceu ninguém no petismo dizendo: ‘Deixa a mídia pra lá. Com toda a sua torcida contra, ganhamos o jogo de goleada’.

Em toda parte, a mídia deve ser criticada com persistência e severidade comensuráveis com a sua importância. Mas, por definição, os menos qualificados para criticá-la são os donos do poder e do dinheiro, que em relação a ela não fazem outra coisa salvo tentar usá-la.

Os meios, por seu lado, com as proverbiais exceções que confirmam a regra, fazem tudo menos se ocupar criticamente de si mesmos – em público.

É de assinar embaixo do que escreve hoje na Folha o ombudsman Marcelo Beraba:

A imprensa tradicional erra ao não dar espaço para o debate esclarecedor das idéias e propostas em jogo (mesmo as que considera equivocadas) e a só se manifestar quando se sente agredida.’

Já os seus observadores profissionais ainda somos poucos e não raro na situação de aprender a caminhar enquanto caminhamos. Nenhum blog ou site do gênero no Brasil tem estrutura nem remotamente comparável a qualquer organização de mídia.

E uma parte do leitorado on-line, enfim, ainda confunde crítica de mídia com ‘linchamento digital’, como escreveu Dines a propósito do relato da colunista Eliane Catanhêde, da Folha, sobre os insultos que os eternos patrulheiros lhe enviam.

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