O Valor usou o substantivo ‘dubiedade’ no título: ‘Lula mostra dubiedade ao falar sobre aborto’. O Globo usou o adjetivo ‘dúbia’ na primeira linha da matéria: ‘O presidente Lula demonstrou posição dúbia em relação à polêmica legalização do aborto no país.’
Dúbio, ensina o Aurélio, é ‘duvidoso, incerto, ambíguo’.
Nenhum desses adjetivos se aplica ao caso. O contrário é que é a verdade. Como o próprio Globo informou no título, ‘Lula diz ter posições distintas sobre aborto’.
Ou como está no sub-título da Folha: ‘Presidente afirma ser contra a interrupção voluntária da gravidez, mas que não pode desconhecer uma questão de saúde pública’.
Contra o aborto é o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva. Já um presidente da República que não seja hipócrita é obrigado a reconhecer que ‘o Estado não pode ficar alheio a uma coisa que existe, que é real, e não dar assistência para essas pessoas’ – aquelas ‘muitas meninas que, no desespero e por falta de orientação, se matam precocemente’, tentando fazer abortos sem assistência médica, ou em condições de risco extremo.
Em vez de apontar dubiedades onde não existem, melhor teriam feito os jornais se destacassem a coragem do presidente em dizer o óbvio, num país em que a maioria da população não quer que se mexa nas restrições ao aborto, que datam de 1940, e ainda por cima na antevéspera da chegada de um papa, cuja voz, ‘voltada para o passado, ignora as aflições causadas pelos problemas práticos da sociedade moderna’, nas palavras da revista Carta Capital na capa da edição desta semana.
Posso estar enganado, mas não me lembro de outro presidente brasileiro que tenha dito com a mesma clareza o que há de essencial a dizer sobre a questão do aborto: é um problema de saúde pública.
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