É assim que funciona o jornalismo de sarjeta:
Fulano diz uma barbaridade contra Sicrano. Chama-o de ladrão. Só não pode provar.
E o que faz o dono ou o editor de uma publicação que tem horror a Sicrano e a sua turma?
Publica a barbaridade, sem se comprometer com ela. Até dá a entender que pode ser uma fraude. Mas que publica, lá isso publica.
Foi o que fez a Veja na edição desde hoje nas bancas. Pôs na capa que o banqueiro Daniel Dantas teria o número de uma suposta conta do presidente Lula no exterior. E dentro:
‘Para defender-se das pressões que garante ter sofrido do PT nos últimos três anos e meio, Dantas acumulou toda sorte de informações que pôde coletar sobre seus algozes. A mais explosiva é uma relação de cardeais petistas que manteriam dinheiro escondido em paraísos fiscais. Entre eles estão o presidente Lula, os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil), Antonio Palocci (Fazenda), Luiz Gushiken (Secom), o atual titular da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, e o senador Romeu Tuma (PFL-SP).
A lista é fruto de um trabalho de investigação feito pelo americano Frank Holder, ex-diretor da agência internacional de espionagem Kroll. Ela apresenta uma série de números de contas, seus titulares, os nomes dos bancos e os saldos referentes ao primeiro trimestre de 2004. Holder disse ter comprovado a existência das contas por meio de depósitos.
Além disso, Dantas compilou metodicamente não só os pedidos de propina como também as contratações e os pagamentos efetivamente feitos para tentar aplacar as investidas do atual governo sobre seus interesses. Se pelo menos uma parte desse material for verdadeira, o governo Lula estará a caminho da desintegração. Isso, é claro, se o Brasil ainda mantiver as aspirações a se tornar um país sério.
Se o material for fruto de falsificação, Dantas vai afundar-se ainda mais na confusão policial na qual se meteu desde que contratou a Kroll para montar dossiês de seus adversários dentro do governo.’
A revista reproduz um documento com todo jeito de ser uma espécie de Dossiê Cayman – o Retorno. Lula aparece no papel como tendo US$ 38,5 mil no estrangeiro.
A primeira reação do presidente, em Viena, foi uma lástima. Fez piada.
‘Se tivessem me avisado antes que eu tinha 38 mil, eu tinha comprado um presente para a dona Marisa‘, gracejou.
Pouco depois, quando caiu a ficha, fez o que deveria ter feito desde o primeiro instante – soltou os cachorros. Disse da revista uma parte do que ela decerto merece.
‘Vamos ser francos com uma coisa: a Veja tem alguns jornalistas que já há algum tempo estão merecendo o Prêmio Nobel de irresponsabilidade. Eu só posso considerar isso como um crime praticado por um jornalista ou por uma revista. Eu não posso comparar isso ao jornalismo.
Sinceramente, é de uma leviandade e de uma grosseria que um ser humano comum não pode admitir, quanto mais um presidente da República. Ou seja: eu acho que quando as pessoas têm o poder de escrever alguma coisa, aumenta a responsabilidade.
Vocês conhecem alguns jornalistas que eu estou citando, vocês sabem o que ele tem feito nesses últimos meses.
Eu não acredito que dentro da revista Veja tenha uma única pessoa que tenha 10% da dignidade e da honestidade que eu tenho.
Eu não posso admitir isso! É uma ofensa ao presidente da República, é uma ofensa ao povo brasileiro. Essa prática de jornalismo não leva o país a lugar nenhum. É uma insanidade o que foi publicado. A pior prática de jornalismo possível.
A Veja já vem assim há algum tempo. Não é de hoje não. Mas eu acho que ela chegou ao limite, chegou ao limite, chegou ao limite!
Eu não sei se o jornalista que escreve uma matéria daquela tem a dignidade de dizer que é jornalista. Ele poderia dizer que é bandido, mau caráter, malfeitor, mentiroso. Eu não posso e é até constrangedor um presidente da República saber que tem uma mentira dessa grosseria numa revista que deveria respeitar seus leitores.
Os leitores pagam a revista, são induzidos a assinar. E não merecem a quantidade de mentiras que ela tem publicado.’
Só que Lula pecou por falta ao dizer três vezes que a Veja ‘chegou ao limite’. Faz tempo que ela passou dos limites mais elementares de ética jornalística.
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