Outro dia, o professor de Literatura Brasileira da USP e editor da TV Carta Maior, Flávio Aguiar, que acha que está em marcha um “estelionato eleitoral” para tirar Lula do Planalto nas eleições de 2006, ou até antes disso, escreveu que a imprensa participa dessa operação ao fazer do deputado Roberto Jefferson “um novo personagem fascinante em nossa rede política e midiática”.
O que reforça a maquinação, segundo ele, é a preferência, nas redações, pela “manchete mais sensacionalista àquela que melhor corresponda ao verdadeiro teor” de uma notícia.
Ele dá dois exemplos dessa distorção. O primeiro é o da Folha, ao não dar nem mesmo na sub-manchete da primeira página que, ao reiterar as suas denúncias do mensalão ao jornal, Jefferson confessou: “Não tenho fitas, vou relatar os fatos que vivi”.
O segundo exemplo, também da Folha, é o uso impróprio do verbo tentar no título “Governo tenta desqualificar as acusações”, porque o que acaba desqualificada é a reação do governo, exatamente o que critiquei neste blog (ver “O duvidoso destino de Dirceu”, de 13/6). O texto de Alencar saiu dia 14 no site da Agência Carta Maior.
Nos dois casos, o pecado aparente é um só: promover o jornal. Destacar a confissão de Jefferson de que não tem provas materiais do que diz enfraqueceria a incendiária entrevista exclusiva. Anunciar que o governo desqualifica as denúncias tenderia a diminuir a sua credibilidade e, por extensão, a do jornal que as publicou.
Hoje, a mesma intratável questão do ofício – o risco de falta de sintonia entre um título e o que há de mais importante no texto a que se refere – tornou a aparecer no mesmo jornal. Desta vez, porém, em favor do presidente.
Um dos três títulos com que o diário divulgou a mais recente pesquisa do Datafolha sobre o impacto do escândalo na opinião pública diz que “Denúncia de Jefferson não altera avaliação da gestão Lula”. É o que diz também a matéria: as variações percentuais em relação à sondagem anterior são negligíveis.
Altos e baixos, para pior
Mas o principal não é isso – e sim que aumentou a percepção da corrupção no governo Lula e baixou a percepção favorável ao seu desempenho pessoal. As duas informações estão no texto e em dois pequenos gráficos de pé de página.
São resultados graves o suficiente para terem merecido outro tratamento editorial, mesmo que não fosse sob o princípio de que “cachorro mordendo homem não é notícia, homem mordendo cachorro, sim”.
Pois, em apenas duas semanas, saltou de 65% para 70% a proporção dos entrevistados do Datafolha que responderam sim à pergunta “Existem ou não casos de corrupção no governo Lula?” Da outra vez, os 65% foram parar em manchete de página interna.
E, nos últimos 15 meses – apesar do aquecimento da economia, é bom lembrar – a soma dos que consideram “ótimo ou bom” o desempenho de Lula desabou de 60% para 49%. Sim, é um índice alto ainda, tanto que ele seria reeleito hoje em qualquer dos cenários desenhados pela pesquisa. Mas a tendência, que é o que conta, afinal, é ominosa para o presidente.
E tanto é que a mais recente pesquisa CNI/Ibope, feita entre os dias 9 e 13 – antes, portanto, do depoimento televisado de Jefferson na Comissão de Ética da Câmara – e divulgada hoje na Internet, revela que a confiança do presidente caiu de 60% em março para 56% em junho.
Pesquisas diferentes não se comparam. Mas os sinais emitidos pela população em ambos os levantamentos parecem justificar a crítica aos critérios da Folha sobre o que dar (ou não) nos seus títulos.
Sem falar num dado analítico. Segundo o Ibope, “o recuo da avaliação do governo é semelhante ao registrado em março do ano passado, logo após as denúncias envolvendo o ex-assessor da Casa Civil, Waldomiro Diniz.”