Depois de ter dado prioridade, no noticiário de ontem, ao aumento do número de seqüestros no estado de São Paulo, em detrimento da boa nova de que os homicídios dolosos caem continuamente há seis anos, a Folha reconhece hoje (1/2) em editorial que houve uma “melhora notável” (título do editorial).
Isso não ocorreu ontem a quem escreveu e editou – na primeira página e na capa do caderno Cotidiano – a reportagem. Que pouco fala da queda do número de homicídios e se concentra na questão dos seqüestros. Quem quisesse ver na reportagem da Folha um ‘viés classista’ não estaria proibido. Seqüestro é problema de quem tem alguma coisa. Homicídio afeta muito mais quem tem pouco, ou quase nada, ou nada.
Mas a leitura é outra. Havia uma segunda reportagem, na página 3 do Cotidiano, onde também se minimizava o significado da queda do número de homicídios: “Queda de homicídio segue tendência do país”.
Que tal fazer uma leitura não “classista”, mas “politizada”?
Vamos lá.
Geraldo Alckmin e seu secretário de Segurança Pública, Saulo Ramos, apresentam as estatísticas. O governador está em declarada campanha. A Folha se recusa a ser instrumento dessa campanha. Mostra que um crime grave, abominável, o seqüestro, cresceu em 2005. É a tônica. Mas faz uma “retranca”, uma reportagem subordinada, para dar as estatísticas da queda do número de homicídios. Alto lá, Sr. Alckmin! Não é vantagem de São Paulo. A reportagem começa assim: “A queda recorde no número de homicídios em São Paulo, anunciada ontem pelo governo estadual, segue uma tendência do que ocorre no restante do país”. A comparação numérica é complicada, porque todas essas estatísticas são pouco confiáveis. É só conversar com um demógrafo que ele explica. Mas a comparação é a seguinte: entre 2004 e 2005, queda de 18,56% em São Paulo e de 8% no número de mortes por arma de fogo – que são 90% dos homicídios dolosos – no país. Grosseiramente, a taxa de queda em São Paulo é duas vezes maior do que a nacional. Será que isso é “seguir uma tendência”?
Mas havia numa tabela da própria reportagem da Folha evidências da importância dos dados mostrados pelo governador. Que são destacadas no editorial de hoje:
“Dados pormenorizados da capital do Estado indicam que uma queda mais acentuada em distritos usualmente violentos é um forte vetor que contribui para a redução da cifra global. Na região de maior incidência dos homicídios na cidade de São Paulo – área da 6ª delegacia seccional, na zona sul –, os 719 assassinatos em 2005 representam uma diminuição de 35% em relação às 1.098 mortes notificadas em 2004.
Foi ainda mais forte a desaceleração das mortes em distritos dessa área da zona sul da capital que se tornaram sinônimos de chacina, como Parque Santo Antônio (36%), Jardim das Imbuias (42%), Jardim Mirna (47%) e Jardim Herculano (51%).
Todo um conjunto de fatores vem contribuindo para essa importante tendência de redução dos homicídios no Estado. Entre eles podem ser citados a melhora no policiamento, o reforço da ação comunitária de governos e ONGs nas regiões mais violentas, as campanhas pelo desarmamento da população e a trajetória um pouco menos hostil, nos dois últimos anos, do mercado de trabalho e do poder de compra do salário”.
No concorrente Estadão, uma tabelinha publicada ao lado do mapa do município da capital, na reportagem (capa do caderno Metrópole de 31/1), deixava a tendência bem clara. É bem parecido com o material usado no editorial da Folha:
Distritos onde aumentou o número de mortes:
Distrito | 2001 | 2005 |
---|---|---|
Campo Limpo | 106 | 119 |
Jardim Taboão | 31 | 47 |
Pinheiros | 11 | 15 |
Ibirapuera | 8 | 15 |
Parque São Jorge | 4 | 5 |
Paulista | 2 | 5 |
Distritos com maior queda no total de mortes
Distrito | 2001 | 2005 |
---|---|---|
Capão Redondo | 249 | 119 |
Jardim das Imbuias | 212 | 91 |
Jardim Míriam | 179 | 76 |
Parque Santo Antônio | 206 | 70 |
Jardim Herculano | 203 | 65 |
Cidade Tiradentes | 143 | 34 |
Se em Pinheiros passou de 11 para 15 e no Capão Redondo caiu de 249 para 119, houve de fato, como reconhece hoje o editorial, uma “melhora notável”.
E reconhecer isso está longe de significar endosso ao uso para propaganda eleitoral dessas estatísticas. Dessas ou de quaisquer outras, apuradas com pelo menos um mínimo de seriedade. Favoráveis a Alckmin, Serra, Lula, Garotinho, Rigotto. E até Nelson Jobim, se as houver.