Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mesma Veja que cumpre rigor ético na capa, escorrega na omissão a Daniel Dantas e mostra bronca dos leitores

Há denúncias, como a que ocupa a capa da revista Veja desta semana (a que levou o árbitro Edílson Pereira de Carvalho à prisão) que dignificam o trabalho da imprensa. Por mais ciúmes e despeito que provoquem na concorrência. A TV Globo e suas coligadas da televisão por assinatura martelaram ontem e hoje que a prisão do juiz foi precipitada pela denúncia da revista. Esquece-se, por conveniência, que a denúncia custou seis meses de trabalho à editora Thaís Oyama e ao repórter André Rizek, e que o Ministério Público e a Polícia Federal só souberam da pilantragem de fabricação de resultados no futebol profissional – o esquema chegou a render R$ 400 mil por semana – veio à luz pelo trabalho de jornalistas da revista. A ‘Carta ao Leitor’, espaço da direção da revista, descreve no detalhe como se desenvolveu a apuração. ‘Entramos em contato com o Ministério Público e a polícia, depois de descobrir o esquema, não só para pedir auxílio, mas por dever de cidadãos’, diz Thaís, que se destacou no início da carreira como uma das melhores repórteres de Polícia da sua geração.

A edição desta semana traz outros indicadores secundários que merecem ser ressaltados. Um deles é a ausência das páginas com moldura vermelho-escura que, desde maio passado, vinham destacando as páginas dedicadas à crise política. Aliás, Veja não traz uma linha sequer sobre o principal desdobramento da crise da semana passada: o depoimento de Daniel Dantas, controlador do Banco Opportunity, nas CPMI dos Correios e da Compra de Votos. O silêncio não colabora para a imagem de isenção que a direção da revista procurou imprimir à maior sucessão de capas sobre um único assunto dos 37 anos da revista.

Outro detalhe revelador da edição desta semana está na página de cartas, seção ‘Os números’, que traz os assuntos que mais motivaram correspondência dos leitores. Está lá, em quarto lugar, o texto dedicado à programação dos shows no Brasil do DJ e cantor Moby. Embora a revista não revele, as cartas dos leitores foram de repulsa à desastrosa página da semana anterior.

Para quem não se lembra, tratou-se de uma das manifestações mais raivosas da imprensa dos últimos anos, a começar pelo título mal-educado – ‘Cala a boca e toca’ – e pelo subtítulo não menos grosseiro – ‘O DJ americano Moby fala muita besteira. Até parece o brasileiro José Miguel Wisnik’.
O leitor deveria encontrar uma reportagem sobre as apresentações do artista, mas encontrou um texto ordinário onde a agenda dos espetáculos foi o que menos importou.

O texto propriamente dito mantém a desqualificação, e fornece pistas para o ressentimento. Moby é irritante e ‘fala muita besteira’ como José Miguel Wisnick porque tocou na esquizofrenia paranóide que a revista – e a grande imprensa, de maneira geral – sente pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

Moby pediu ‘desculpas’ ao público venezuelano ‘pelo fato de os Estados Unidos terem um presidente como George W. Bush. ‘É um doido que está transformando meu país numa nação perigosa’, disse. Moby tem, é claro’, continua a revista, ‘todo o direito de se expressar – direito que o presidente venezuelano Hugo Chávez, um doido de carteirinha vermelha, gostaria de eliminar em seu país’.

Explicado o motivo do rancor contra Moby, resta a incógnita: qual a razão da citação raivosa contra José Miguel Wisnik?
Wisnik vem a ser professor de Teoria Literária da USP e compositor gravado por Elza Soares, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia, Edson Cordeiro, entre outros. Mas para Sérgio Martins, que assina o texto ressentido, Wisnick fala tanta besteira quanto Moby e é ‘aquele sujeito que acredita que o termo ‘Big Bang’ é uma apropriação anglo-saxã da origem do universo’.

Por essas 21 palavras, ele foi taxado no destaque do alto da página como quem ‘fala muita besteira’. No mais, o texto repete a receita de expressões e palavras que a revista saca quando quer difamar alguém.