Para um apanhado objetivo do que está em jogo na disputa sobre os resultados da recente eleição presidencial no México, eis um texto de primeira.
O autor é Greg Grandin, professor de história da Universidade de Nova York e estudioso das relações entre os Estados Unidos e a América Latina.
Saiu no New York Times de hoje, sob o título ‘Como ser um bom vizinho’. Segue a tradução, com uns poucos cortes e adaptações. Boa leitura.
‘A presente crise eleitoral no México é propelida pela inquietação no campo – a ira dos trabalhadores agrícolas deslocados pelo Acordo de Livre Comércio da América do Norte [Nafta, na sigla em inglês].
Andrés Manuel López Obrador, o candidato presidencial de centro-esquerda que contesta a anunciada vitória de Felipe Calderón na eleição de domingo passado, obteve muito do seu apoio entre a cada vez mais inquieta população rural pobre.
Antes do Nafta, o México era auto-suficiente em milho e feijão. Hoje, uma de cada três tortillas mexicanas é feita com milho barato dos Estados Unidos. Em 1993, mais de 10 milhões de mexicanos tiravam o seu sustento do solo. Hoje, embora a população do país tenha aumentado, esse número caiu para cerca de 7 milhões.
Os agricultores mexicanos simplesmente não conseguem competir com o agribusiness americano, rico em capital, que continua a desfrutar de generosos subsídios governamentais. Além disso, os importadores mexicanos de commodities recebem empréstimos a juros baixos para comprar produtos agrícolas dos Estados Unidos.
A cada ano, cerca de 3 milhões de toneladas de milho mexicano colhido apodrecem porque é muito caro para vender.
Os mexicanos têm outros motivos ainda de preocupação. Em 2008, entra em vigor a provisão final do Nafta, eliminando as últimas tarifas sobre o milho e feijão americanos e extinguindo os subsídios do governo aos camponeses mexicanos – enquanto permanecerão intocados os muito maiores subsídios de Washington ao setor agrícola do país.
Na sua campanha, López Obrador prometeu renegociar essa provisão, mas J.B. Penn, o subsecretário de Agricultura dos Estados Unidos respondeu preventivamente dizendo que “não tem nenhum interesse em renegociar qualquer item do acordo”.
Durante a última década e meia, Washington e seus aliados na política mexicana, incluíndo Calderón, promoveram um modelo econômico de livre-comércio que falhou em trazer a prosperidade que os seus defensores prometiam.
Embora a economia mexicana tenha crescido 3% no ano passado, a pobreza do país e os seus indicadores de desigualdade continuam tipicamente ruins, pelos padrões latino-americanos, com os 10% mais ricos da população controlando 43% da riqueza nacional, enquanto cerca de 40% dos mexicanos vivem abaixo da linha da pobreza.
Esses problemas, combinados com a indignação mexicana provocada pelo debate sobre imigração nos Estados Unidos, podem azedar as relações entre nossos dois países pelo futuro previsível.
Mas existe uma maneira de o governo Bush ajudar a conduzir as coisas a um caminho diferente. Embora os funcionários eleitorais digam que Calderón teve mais votos, os Estados Unidos não deveriam se apressar a abraçá-lo como o vencedor do pleito.
A contagem oficial dá a Calderón uma vantagem minúscula e há relatos críveis de irregularidades significativas que na melhor das hipóteses poderão enfraquecer a legitimidade da presidência Calderón, e na pior das hipóteses levar a uma escalada de protestos.
Os votos contestados incluem as 904 mil cédulas anuladas, principalmente das regiões onde foi ampla a vantagem de Obrador, além de discrepâncias entre os números fornecidos pelas mesas coletoras e apuradoras e as cédulas de fato depositadas nas urnas.
O melhor que os Estados Unidos podem fazer agora é apoiar o movimento pela recontagem dos votos e abster-se de cobrar de Obrador que reconheça a derrota.
Depois, ganhe quem afinal ganhar, a Casa Branca deveria renegociar o Nafta, permitindo ao México definir a própria política de apoio à sua economia rural.
Se o governo Bush agir de outro modo, poderá perfeitamente contribuir para o início de uma nova série de conflitos políticos violentos no país, como em 1810 e 1910 – dando razão aos astecas que diziam que a história é circular e os grandes acontecimentos se repetem ciclicamente.’
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