Tem dia que dá gosto ler jornal. Não porque algum deles deu um furo de 400 talheres ou porque, da primeira à última página, nenhuma palavra impressa briga com os fatos conhecidos – nem com o tão mal-tratado idioma.
Mas pela exposição singela e impecável de um “pequeno assassinato” – no caso, uma tentativa miúda de um político de passar a perna no distinto público.
Foi o que fizeram hoje, no Estado, a repórter Silvia Amorim; no Agora, em matéria também publicada na Folha, do mesmo grupo, os repórteres Carla Monique Bigatto e Almeida Rocha.
Eles cobriam um daqueles eventos chatíssimos que jornalista tem vontade de pagar ao patrão para não acompanhar – a inauguração, pelo prefeito José Serra, de um ambulatório municipal em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo.
O prefeito, como assinalou a repórter do Estadão, tem o hábito de posar para fotos testando equipamentos médicos nas unidades de saúde que visita.
São as tais photo-ops, oportunidades para fotografias, como os jornalistas americanos se referem às imagens produzidas que interessam ao fotografado, mas, por serem factóides, não têm nenhum valor jornalístico.
Ontem, ao percorrer o novo ambulatório, Serra – que além do mais é notório hipocondríaco – pediu para medir a pressão. Para seu desconforto, um depois do outro depois do outro, os aparelhos 0 km negaram fogo.
Então, em vez de ordenar em alto e bom som que se apurassem os porquês do vexame e saísse batendo o pé ameaçando punir os responsáveis – o que até pegaria bem para um prefeito que quer ser presidente –, pediu à secretária municipal de Saúde, Maria Cristina Cury, que assumira o comando da operação, dado o nervosismo das enfermeiras, que encenasse uma farsa.
Disse-lhe, segundo o Estado, “Faça de conta que está funcionando.” Ou, segundo o Agora: “Finge que funciona.” Ela fez (ou fingiu) e cantou a pedra: “12 por 8”.
Azar deles. Do prefeito, porque jornalistas ouviram o que ele dissera em voz baixa. Da secretária, porque enrolou depois uma explicação, segundo a qual identificara a pressão do chefe só com o estetoscópio.
Para não deixar margem a dúvidas e numa louvável demonstração de zelo jornalístico pela verdade – mesmo quando ela é ‘mais pequena’, como diria o presidente Lula –, o repórter-fotográfico Almeida Rocha também pediu para medir a pressão no aparelho que brochara com Serra. Não deu outra: o ponteirinho mais uma vez não subiu.
E os leitores foram premiados com um raro flagrante de como os políticos costumam brincar de faz-de-conta com os eleitores, fingindo que os fatos são o que eles querem que sejam.
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