Reportagens e artigos sobre o chamado inferno prisional paulista ressaltaram que a população carcerária no Estado triplicou entre 2000 e 2005.
A polícia prendeu mais, os juízes condenaram mais. As cadeias superlotadas se transformaram em centros de recrutamento do crime organizado.
Domingo, a propósito, o Estadão terminou um articulado editorial sobre a crise da segurança pública, efeito dessa superlotação, cobrando providências do Executivo e do Legislativo. E do Judiciário?
A socióloga Fátima Jordão nota que a imprensa mal fala nesse aspecto da calamidade – e há muito que falar.
A mídia poderia mergulhar logo de saída no problema do desaparelhamento das Varas de Execução Criminal, onde faltam juízes e funcionários capazes de dar conta da explosão da demanda no setor, como diria um economista.
O caso é o seguinte: no Brasil, depois que um réu criminal é condenado, se inicia um novo processo destinado a verificar quando termina a pena: o juiz deve decidir se o preso pode, por exemplo, passar para o regime semi-aberto ou aberto, obter livramento condicional, ser indultado, ou ter a pena reduzida pelo trabalho.
Logicamente, quanto mais tardar a decisão, tanto pior para o condenado. Acaba fazendo pouca diferença, na prática, que a Lei de Execução Penal dê ao preso a possibilidade de passar ao regime semi-aberto quando tiver cumprido 1/6 da pena.
Outro ângulo que tem escapado da mídia: os efeitos da crescente interiorização do sistema penitenciário. Sem meios de construir mais presídios na Grande São Paulo, o governo cria cadeias em cidades de que a maioria dos paulistas nunca ouviu falar, como Lavínia, Pracinha e Valparaíso. E daí?
Daí que nesses lugares o Judiciário geralmente se limita a uma única vara, sobre a qual podem desabar de uma vez quase mil processos de execução criminal.
O remédio foi abrir Varas de Execução Criminal em cidades próximas maiores, como Marília e Presidente Prudente. Essas varas lidam com uma infinidade de processos que tramitam lentamente, pelo excesso de burocracia. Por exemplo, ofícios precisam ser expedidos para o juiz receber as informações para decidir, em cada caso, sobre a progressão do regime prisional, a concessão de livramento condicional e tudo mais.
Um repórter que passasse um par de dias numa dessas instâncias do Judiciário sairia dali com uma penca de histórias reveladoras do abismo que existe entre o que a lei diz e o que a Justiça faz.
Resulta disso um sistema em que a porta de entrada (a que encarcera) é muito mais larga que a de saída, obrigando o governo a construir mais e mais presídios para manter condenados que, se a lei fosse aplicada em prazo razoável, estariam soltos.
Os jornais bem que poderiam também ter lançado luz sobre uma iniciativa do então secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa. Ele preparou um projeto de lei que transferiria ao Executivo as decisões sobre cumprimento das penas.
O Judiciário rechaçou a idéia por entender que a situação dele exige mais e não menos participação.
Mas a Justiça paulista, dizem os críticos, se compromete pouco com as penas alternativas – a prestação de serviços à comunidade em lugar do encarceramento.
Em outros Estados foram criadas Varas de Execução de Penas e Medidas Alternativas, cujos juízes cuidam em tempo integral de supervisionar se essas punições estão sendo bem aplicadas. Em São Paulo quem trata disso é a Secretaria de Administração Penitenciária, que criou algumas Centrais de Penas Alternativas. Por que não apurar em que condições elas funcionam?
Os críticos argumentam ainda que a Justiça tem deixado de cumprir atividades vitais para a melhoria das condições nos presídios, como inspeções periódicas e a instalação de Conselhos da Comunidade, que envolveriam parcelas maiores da população com os problemas penitenciários.
A imprensa não pode esperar o próximo surto de ataques do PCC para tratar do papel do Judiciário na formação dessa tormenta.
P.S.
Da coluna Painel da Folha de hoje: ‘Em reunião com 18 deputados federais paulistas, Cláudio Lembo reclamou de haver, nos presídios do Estado, 12 mil detentos (quase 10% do total) que já poderiam estar nas ruas, não fosse o Judiciário.’ [Acrescentado às 8h05 de 18/7]
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