Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia ignora o melhor de uma pesquisa

Qualquer foca há de saber que nem tudo que é apurado merece ser publicado.

Mesmo veteranos editores, porém, parecem ignorar que se esse princípio se aplica a uma reportagem, aplica-se também a uma pesquisa de opinião.

Mas, pavlovianamente, continuam dando espaço a resultados de levantamentos que, ou não trazem nada de novo – a aprovação ao presidente Lula – ou não querem dizer rigorosamente nada, como as abstratas simulações eleitorais para 2010 a partir de listas que não somam 2 com 2.

É o caso dos números da mais recente pesquisa do instituto Sensus para a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), hoje nos jornais.

O pior é que, além de gastar tinta e papel de forma desproporcional à importância dessas quase-notícias, a imprensa não garimpa o que pode haver de original no meio da numeralha.

Uma exceção é a colunista Dora Kramer, do Estado, que descobriu dois filões na sondagem CNT/Sensus. Um, a preferência da maioria absoluta dos entrevistados (59%) pelo voto facultativo. Outro, a concordância também da maioria (54%) com a tese acolhida pelo Supremo Tribunal Federal de que os mandatos de deputados e vereadores não lhes pertence, mas aos partidos pelos quais se elegeram.

Há uma diferença entre os dois destaques, que não escapou à colunista. A questão da propriedade do mandato, leia-se, da fidelidade partidária, está na crista da onda. Já a substituição do voto obrigatório pelo facultativo não passa nem longe da presente agenda política nacional.

Nas palavras de Dora:

‘O montante de pessoas favoráveis ao voto facultativo, praticamente igual ao daqueles que iriam votar se não fosse obrigatório, é inversamente proporcional ao interesse dos políticos em discutir o assunto. […] O apoio ao voto facultativo aparece de forma espontânea, sem que existam campanhas a respeito, nem um único político levantando a lebre para a discussão.’

Esse o lado melhor das pesquisas que tende a passar batido pela imprensa que segue o caminho do óbvio: as perguntas que não se prendem estreitamente ao agora e aqui e cujos resultados podem ser mais reveladores do que os obtidos nos outros quesitos.

É claro que o tema do voto obrigatório não vive no vácuo. Quem teve a idéia de incluí-lo no questionário presumiu, com razão, ao que se vê, que valeria a pena sondar de outro ângulo o conhecido desencanto em massa com os políticos – depois da fieira de escândalos na Câmara e o affair Renan no Senado.

Não deu outra. E não é que os brasileiros não queiram votar. Livres para fazer outra coisa no dia E, muitos ainda assim compareceriam para escolher os titulares do Executivo – presidentes, governadores, prefeitos.

A mídia, a propósito, nunca, ou quase, discutiu direito esse dilema. Fica, de hábito, na dicotomia ‘o voto é um direito’ vs ‘o voto é um dever’ – o que não leva a parte alguma. A grande questão irrespondida é se a democracia fica mais, digamos, ‘democrática’, com uma regra ou a outra.

Talvez seja até impossível dar uma resposta cabal a isso – como se a obrigatoriedade ou não do voto fosse a única variável capaz de contribuir para o aprofundamento ou o estreitamento da ordem democrática.

Em todo caso, trata-se de um dos tais assuntos que, bem abordados, permitem ao público enxergar de mais perto o modus operandi desse sistema que, já se disse, é o pior do mundo, à exceção de todos os outros.

E por falar em exceção: o voto é facultativo na grande maioria das democracias, principalmente nos países mais avançados.