A grande imprensa brasileira não tem do que se envergonhar da cobertura do primeiro turno da eleição presidencial francesa. A Folha, com o seu enviado a Paris, o primeiro-repórter Clóvis Rossi; o Estado, com o seu veterano correspondente na França, o jornalista-ensaísta-escritor Gilles Lapouge; e o Globo, com a criativa correspondente Débora Berlinck, deram hoje ao leitor interessado robusto material para acompanhar o fato político mais importante da sexta economia mundial, que se repete a cada cinco anos.
De quebra, os maiores jornais publicaram suculentos artigos de analistas, como o cientista político Alain Touraine, na Folha (apenas, infelizmente, na edição online), o historiador Luiz Felipe Alencastro e um dos principais nomes da esquerda francesa, Jacques Attali, no Estado.
Ainda assim… Ainda assim, o grosso do noticiário padece de um viés sutil. No fundo, passa ao leitor a visão de uma França em crise econômica e social, cujo futuro presidente poderá, ou não, mas deveria dar um tranco nas reformas orientadas para o mercado nas áreas fiscal, trabalhista e de proteção social, para pôr a resfolegante locomotiva francesa de uma vez por todas nos trilhos da economia globalizada.
Soa conhecido, pois não?
Pode ter me escapado, mas não vi em nenhum dos principais diários brasileiros qualquer coisa parecida, a título de contraponto, com as seguintes passagens de um artigo do respeitado historiador inglês Tony Judt, publicado no New York Times de hoje, que parece repor as coisas nos seus devidos lugares, ou pelo menos em perspectiva:
‘Mas será que a situação francesa é tão terrível? De todos os lados se ouvem apelos por ‘reformas’ para alinhar o país com as práticas e políticas anglo-americanas. O disfuncional modelo social francês, nos garantem a toda hora, faliu.
Se disso se trata, há muito a dizer dessa falência. Os bebês francesas tem mais chance de sobreviver do que os americanos. Os franceses vivem mais do que os americanos e levam vidas mais saudáveis (a um custo menor). São mais bem educados e dispõem de transporte público de primeira categoria. O hiato entre ricos e pobres é mais estreito do que nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, e há menos pobres na França.
Sim, a França tem um alto desemprego entre os jovens, devido aos empecilhos institucionalizados à criação de empregos. Mas a comparação com os índices americanos é enganadora: as cifras americanas são artificialmente diminuídas porque excluem da população economicamente ativa tantos homens de pele escura, entre os 18 e 30 anos que estão na cadeia.’
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