Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Mídia sem crédito é coisa americana

Ao comentar no começo do mês pesquisa de maio do Ibope, segundo a qual a imprensa é uma das três mais bem avaliadas instituições ou profissões brasileiras, com 74% de aprovação (médicos, 85%, millitares, 75%), o ombudsman da Folha, Marcelo Beraba, se disse surpreendido.

Não era para menos. Com a notória queda da qualidade de jornais e revistas, causada pela crise financeira da qual os grandes conglomerados brasileiros de mídia apenas começam a sair; a contínua queda da circulação dos jornais, desde 2001; e o crescente uso da Internet como fonte de informação, ninguém se atreveria a imaginar que a credibilidade dos meios impressos de comunicação não só estivesse nas alturas onde está, mas tenha subido quase 10 pontos desde setembro de 2003.

Ainda bem que Beraba acrescentou outra razão de espanto: “a transferência para o cenário nacional da crise de credibilidade constatada na imprensa dos Estados Unidos.”

Não é de hoje que, para o bem ou para o mal, o Brasil macaqueia a América. Uma das mais novas importações dos gringos foi a da que a mídia convencional, ou mainstream, no jargão lá deles, não está com nada em parte alguma.

Não é de hoje também que se identifica no desgosto de muitos americanos com a sua imprensa a crescente polarização política do país nestes anos, derivada em boa parte da ascensão do tradicionalismo religioso na esfera pública: a direita acha que a mídia tem um “viés liberal”, e a esquerda, que ela é submissa demais ao bushismo (ver “No Times e do Times”, de 24/6). Tenho tentado apontar essa relação em comentários no Observatório da Imprensa.

Agora, o nexo ficou escancarado. A mais recente – e confiável – pesquisa sobre os americanos e a sua mídia, do Pew Research Center, divulgada hoje, mostra exatamente isso.

Os conservadores em geral e os republicanos em especial descrêem da imprensa por julgá-la “crítica demais da América”. É a opinião de 67% dos entrevistados (contra 42% há três anos e 17% logo depois do 11 de Setembro). Já 54% dos democratas e 38% dos que se declaram independentes consideram que a mídia pega excessivamente leve no governo Bush (um aumento de 13 pontos em um ano).

É o que os analistas do Pew Research Center chamam de “alarmante crescimento da politização das opiniões” sobre a imprensa nos Estados Unidos. De fato, raros aspectos do debate público americano, se é que algum, escapam dessa tendência.

Problema deles. O nosso, quando se trata de julgar a mídia, é não confundir os problemas.