Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia só pega a IstoÉ de raspão

É fácil achar nos jornais de hoje trocadilhos facílimos com o nome Freud. Difícilimo é achar pelo menos algum ensaio de ir além do jornalismo de aspas – meras citações de falas alheias ou transcrições de textos alheios – sobre o papel da revista IstoÉ na história do material que atestaria ligações dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin com a máfia das sanguessugas.


O material – um video, um DVD e meia dúzia de fotos – foi reunido pela família Vedoin para ser vendido por R$ 1,7 milhão a emissários do PT, como o filiado Valdebran Padilha da Silva e o advogado Gedimar Passos, funcionário do diretório nacional do partido e membro da equipe da campanha de Lula. A Polícia Federal abortou a transação.


Gedimar disse à PF que Luiz Antonio Vedoin, o chefe da máfia, procurou Valdebran para oferecer a ‘documentação’ por R$ 20 milhões. Valdebran levou a oferta à executiva nacional do PT – a instância mais alta da agremiação. ‘Houve interesse por parte do PT em negociar as informações’, contou Gedimar.


A negociação reduziu o valor inicialmente pedido a R$ 2 milhões. Ainda era mais do que o partido tinha para pagar, sempre segundo Gedimar. Por isso, os Vedoin ‘ofereceram a uma importante revista de circulação nacional sociedade na compra da informação’. Gedimar diz que ‘houve um acordo entre o PT e o órgão de imprensa’, que ele nega saber qual é.


Pelo acordo, o órgão de imprensa ajudaria a comprar o material. Na sexta-feira, 15, quando a IstoÉ saiu com a capa das acusações dos Vedoin a Serra e ao seu sucessor no Ministério da Saúde, Barjas Negri, a PF prendia Valdebran e Gedimar, que também disse ter sido ‘contratado pela executiva nacional do PT para fazer a análise jurídica da documentação’. Ele identificou um certo ‘Freud ou Froude’, como a pessoa que ordenou a compra.


[Parabéns tardios ao Estadão por ser o primeiro órgão de mídia a informar, na edição de ontem, que Freud ou Froude é Freud Godoy, funcionário do Planalto e pessoa próxima do presidente, de quem era guarda-costas há muitos anos.]


Hoje os jornais publicam uma nota do diretor-responsável da IstoÉ, negando que tivesse pago pela entrevista.


O pouco que avançaram além disso consiste no seguinte:


1. Declarações do redator-chefe da revista e entrevistador dos Vedoin, segundo as quais ‘se soubesse que alguém estaria comprando alguém para que alguém desse a entrevista, também teria publicado isso’ e que o fato de a IstoÉ não ter também ouvido Serra e Barjas ‘foi uma avaliação da revista, porque era entrevista do tipo pingue-pongue’.


2. A informação, de passagem, do Globo, de que a entrevista foi feita nos dias 5 e 6 de setembro, ou seja, duas semanas antes da publicação.


Antes de ir ao terceiro e último ponto, registre-se o duvidoso critério de publicar uma entrevista, mesmo na hipótese de que o entrevistador tenha sido pago para dá-la. Duvidoso porque acaba, por definição, com a credibilidade do entrevistado: quem fala porque foi pago fala o que o pagador quer que se fale.


Registre-se, o que é mais grave, a ‘avaliação da revista’ de não ouvir o ‘outro lado’. Desde quando a publicação de uma entrevista sob a forma de perguntas e respostas impede dar a versão dos que nela são acusados, em texto à parte, ou na apresentação do pingue-pongue?


Registre-se, por fim, a estranhíssima decisão da IstoÉ de só publicar a entrevista-bomba duas semanas depois de sua realização. Vista do ângulo estritamente jornalístico, essa conta não fecha. [Antes de dar a denúncia dos Vedoin, a revista fez uma matéria de capa pondo nas núvens a Polícia Federal. A cada um, as suas conclusões.


3. A reportagem assinada por Expedito Filho, no Estado de hoje, que traz uma informação exclusiva: a PF trabalha com a hipótese de que a IstoÉ, se foi ela ‘a revista de circulação nacional’ mencionada por Gedimar como sócia do PT no negócio com os Vedoin, ‘em troca ganharia a publicação de um caderno de propaganda financiado por uma grande estatal. Tal caderno é avaliado em R$ 13 milhões e sua divulgação estava suspensa desde a saída do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci’.


Se tudo for verdadeiro, a IstoÉ ía ter um lucro e tanto: desembolsaria – ou alguém por ela, já que a Editora Três, que a publica, de há muito já não faz três refeições ao dia –, digamos, R$ 1 milhão, se tanto, e faturaria 13 vezes mais.


O que leva a questão ao ponto de partida desta nota: o silêncio da mídia sobre a parte que cabe à IstoÉ, salvo engano, na armação de um misto de baixaria com crime eleitoral. Nos Estados Unidos, ou na Inglaterra, as editorias de mídia dos grandes jornais deitariam e rolariam com um assunto do gênero, mais um capítulo da interminável história do jornalismo marrom.


P.S. A bem da verdade


Aos leitores que cobram a responsabilização do ex-ministro José Serra por ter sido acusado pelos Vedoin, na entrevista à IstoÉ, de envolvimento com a máfia dos sanguessugas:


Em suas intermináveis e frequentemente contraditórias manifestações, os donos da Planam acusaram mais de 100 parlamentares e ex-parlamentares de terem deles recebido propina pelas emendas ao orçamento federal que tornaram possível a venda de ambulâncias superfaturadas a algumas centenas de prefeituras.


Mas a CPI dos sanguessugas decidiu abrir processo por quebra de decoro parlamentares apenas contra os 72 deputados e 3 senadores em relação aos quais havia, além da palavra dos Vedoin, indícios materiais de corrupção (depósitos bancários em contas de assessores e/ou parentes, por exemplo).


Nada disso surgiu até agora em relação ao ministro José Serra. Sem falar que, no seu depoimento à CPI, Luiz Antonio Vedoin o inocentou de qualquer malfeito, mesmo sob cerrado interrogatório de deputados petistas.


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