Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ministro-militante volta a analisar “a mídia”

O ministro Tarso Genro assina na edição desta semana da revista Carta Capital um ensaio intitulado “Lembrança por Grass. A atitude da imprensa em relação ao governo reflete seus interesses políticos”.


Genro, mais uma vez, em sua ofensiva difusa e confusa contra a imprensa, comete uma série de equívocos.


O primeiro deles é assinar como ministro das Relações Institucionais, embora escreva na condição de militante do PT (usa a primeira pessoa do plural: “nós – militantes, filiados ou simpatizantes do PT”).


O segundo é fazer comparações entre os fatos de que foi acusada a direção petista e acusações feitas no passado ao “velho PTB varguista” e ao PCB. São partidos distintos e situações distintas. No caso do PCB, as acusações foram de caráter mais ideológico (“ouro de Moscou”; por sinal, a direção do PCB era subsidiada pelo governo soviético) do que fisiológico. E o PCB nunca chegou ao poder, ou seja, não passou por esse teste. No caso do PTB, que andou pelo poder, a conjuntura era bem diferente. Talvez as comparações sejam uma tentativa de mostrar como a “elite”, ou a “burguesia” (palavras e aspas minhas) perduram ao longo da História brasileira.


O ministro-militante inverte totalmente os fatos quando escreve: “As lições da história não impediram que a atual grande imprensa privilegiasse e estimulasse um ´concurso´ para verificar quem levantava as acusações mais graves contra Lula e o PT”. Quem levantou acusações, na crise mais recente (houve, anteriormente, em fevereiro de 2004, o episódio de Waldomiro Diniz – funcionário da Casa Civil do Planalto que, como se sabe, apareceu num vídeo pedindo propina a um bicheiro), não foi a “atual grande imprensa”. Foram aliados do governo, como o deputado Miro Teixeira, em setembro de 2004, e o então deputado Roberto Jefferson, em junho de 2005.


Generalizações em nome da crítica a generalizações


Ao trabalhar com os conceitos de “atual grande imprensa” e “mídia”, Genro comete exatamente o mesmo crime que acusa a imprensa de cometer contra os militantes petistas: generaliza. Não existe uma “atual grande imprensa”. Não existe uma “mídia”. Existem veículos bastante diferenciados. Que podem, sim, ter convergido em antagonismo ao governo, mas não porque sejam manifestações diferentes de um mesmo organismo.


Outro conceito contestável é o de que a imprensa não pode ter interesses políticos. Por que não poderia ter? Em nome da ilusão da “objetividade”? O que não se deve fazer é torcer o noticiário de acordo com interesses, preconceito, ideologia. Aqui há toda uma batalha de avaliações para ser travada. No que me diz respeito, o que se pode cobrar da imprensa desde maio de 2005 é que tenha tido reduzida capacidade de apurar por seus próprios meios. Se tivesse mais apuração própria, dependeria menos de autoridades e parlamentares, cuja intervenção nos escândalos (a palavra é escândalos, gostem ou não o ministro, seu governo e seu partido) foi inepta, do ponto de vista da democracia (não resultou em punições, concorrendo assim para a ampliação e o reforço do sentimento de impunidade, ao qual o PT deu e dá uma lamentável contribuição).


O ministro distorce os fatos quando escreve que “a cobertura sobre a ação dos ´aloprados´ [Genro põe o termo entre aspas], outro exemplo, foi deliberadamente formatada para bombardear a campanha de Lula”. Isso é verdade, em vários casos, mas o ponto não é esse. A operação do Dossiê Vedoin é que havia sido ‘formatada’ para bombardear a campanha de José Serra. Se os candidatos Mercadante e Lula o sabiam ou não, a apuração policial deveria indicar (não o fará).


Genro não quer que se pense que está “tratando de vitimizar o PT”. Mas está, sim.


Uma batalha ideológica que não existe


O ensaísta pretende que há uma “divergência programática e ideológica da mídia a respeito de como devem ser abordados os grandes problemas nacionais, quais as prioridades neste período controverso de formação da nação”. No essencial, “a mídia” (assim como “o mercado”) não diverge da principal política adotada pelo governo Lula, que foi a macroeconomia do ministro Antonio Palocci. Se isso é bom ou ruim, não é aqui o caso de avaliar (eu acho bom e parabenizo o presidente Lula por tê-lo feito).


Convém assinalar que o Brasil ficou independente de Portugal há 184 anos e três meses. Chamar a quadra atual de “período de formação da nação” é uma manifestação de megalomania característica do PT e do PC do B, entre outras agremiações.


Genro escreve: “Desataram contra nós uma ´caça´ indiscriminada, de forma indistinta e inclusive com a colaboração raivosa da ´ultra-esquerda´”. Seria interessante que o ministro apresentasse evidências dessa “caça”. Até agora, ninguém foi “caçado”, e poucos foram cassados. Algumas pessoas foram punidas pelo PT. É o caso do ex-tesoureiro Delúbio Soares e, mais recentemente, do deputado federal eleito Juvenil Alves, suspenso até que a Polícia e a Justiça se pronunciem a respeito das acusações pelas quais foi conduzido à cadeia. Outras pessoas foram dispensadas do governo pelo presidente Lula.


Segundo o ministro, a senadora Heloísa Helena “passou a ser desclassificada pela mesma mídia quando essa percebeu que a candidatura do PSol tirava votos de Alckmin, não de Lula”. A candidata não foi em nenhum momento “desclassificada” pela mídia. Ela perdeu intenção de voto colhida em pesquisas porque sua campanha, pobre de recursos materiais, foi também pobre de idéias e propostas. Mas tanto ela como o senador Cristovam Buarque receberam tratamento mais simpático do que antipático.


Ética na política: sugestão de tema para ensaio


Diz Genro: “A meta era eliminar a esquerda politicamente e para isso seria necessário também liquidar Lula”. O PT deu uma contribuição histórica para desmoralizar a esquerda no Brasil. Quando ao presidente Lula, assim como fizera o presidente de sindicato Lula, declarou reiteradas vezes que não é de “esquerda”.


Tarso Genro fala da “solidez daqueles ideológos da estatura de um Lacerda”. De duas, uma: ou não sabe direito quem foi Carlos Lacerda, imagina alguém que não existiu, ou seu conceito de “ideólogo de estatura” é muito elástico.


O ministro signatário produziu um texto de militante. Com alguma falácia, nenhuma autocrítica e o espectro de uma agitação difusa contra “a mídia” ou a “atual grande imprensa”. Escreveu à luz de seus interesses políticos imediatos e mediatos. É direito dele, mas não é uma contribuição notável para melhorar a discussão sobre o papel da mídia.


Teria sido melhor ler um ensaio do ministro das Relações Institucionais sobre um tema mais condizente com sua experiência recente. Eu sugeriria a ética na política.