A Folha parece surpresa com o fato de a esmagadora maioria dos brasileiros – 82% – não fazer a mais remota idéia do que foi o AI-5, editado 40 anos atrás neste 13 de dezembro.
É pior do que isso: segundo pesquisa do Datafolha, mesmo na minoria dos que já ouviram falar no Ato, só um em cada 10 entrevistados acertou o ano em foi baixado.
A taxa de ignorância, naturalmente, varia na razão inversa da idade e do grau de instrução/renda.
Se isso serve de consolo, o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, ouvido pelo jornal, lembra que a maioria dos jovens alemães não sabe quem foi Hitler.
Sim, os povos que não conhecem a sua história estão fadados a repetí-la etc e tal, mas a amarga realidade é que as pessoas podem perfeitamente bem levar as suas vidas indiferentes ao passado – esse montón de perros olvidados de que falava o poeta espanhol Federico García Lorca.
Se as chamadas “agências de socialização” de uma sociedade – a escola, a família e a imprensa – não tomam para si a tarefa de trazer a valor presente a história do país – esperar o quê?
Por imprensa, no caso, entenda-se a mídia de massa por excelência, a TV. E no que depender dela, já se sabe.
Um experimento imaginário: perguntem hoje a quantos brasileiros se queiram sobre o que gostariam de estar mais bem informados – o AI-5 ou a morte do ex-marido da atriz Suzana Vieira. Alguém tem dúvida do resultado?
Além da ditadura do entretenimento, também conhecida como indústria cultural, que bane a política do cotidiano, outro fator de peso é que, no passado, pelo menos para as elites, o passado contava mais, porque a linha de continuidade entre a véspera e o dia seguinte era incomparavelmente mais firme. Com a aceleração vertiginosa e a fragmentação do tempo da história, e do ciclo da notícia, o prazo de validade do que se considera “atual” tende a ser cada vez menor.
Isso acentua a distribuição desigual da informação nas sociedades: no torvelinho, a chance de as parcelas mais bem informadas aumentarem ainda o seu patrimônio informativo é muitíssimo maior do que a chance dos desinformados encurtarem a sua distância em relação aos primeiros. Não por falta de oferta, mas por falta de incentivos à busca de conhecimentos que não digam respeito às bases materiais da existência de cada qual.
Para ficar no exemplo do dia: leitores costumeiros de jornais não só tendem a saber mais do que os não-leitores o que foi e significou o AI-5, como ainda, pelo aniversário, receberam alentados suprimentos adicionais de informações e análises sobre o assunto, até com notícias novas.
É assim que se alarga o hiato do conhecimento na sociedade. A desigualdade não é compensada necessariamente pelo fato de estar “tudo lá”, na web. A curiosidade dos internautas é seletiva – o que é apenas humano. E, salvo prova em contrário, não é de imaginar que tenha havido nestes dias uma corrida a sites e blogues atrás de informações sobre a ditadura militar brasileira.
As coisas são como são.