Um dos principais legados das grandes indústrias da comunicação é o mito de que o jornalista é um personagem indispensável à democracia. Entre outras coisas, este mito justifica o corolário de que sem as empresas jornalísticas também não existe democracia. E aí que está a justificação do poder assumido pelos donos de impérios da comunicação.
A mudança de paradigmas na informação, provocada pela internet e pela informática, mostrou que os jornalistas não são hoje nem mais e nem menos relevantes para a democracia do que os cidadãos comuns. A notícia deixou de ser monopólio dos profissionais e das empresas jornalísticas. Ela chega hoje às pessoas por circuitos que não passam pelas indústrias da comunicação.
Mas isso não quer dizer que o jornalista se tornou descartável e desnecessário. A profissão está tendo que se adaptar ao novo contexto das ferramentas digitais na comunicação. O jornalista não é mais o certificador de credibilidades, mas o profissional que pode mostrar aos consumidores de informação como chegar à confiar em notícias.
O profissional deixou de ser um oráculo e o interlocutor privilegiado de governantes e empresários para se tornar um tutor de leitores. A função antiga tinha mais glamour e prestígio nos corredores do poder político, mas a nova tem muito mais relevância social, sem falar que está mais próxima da realidade concreta do dia a dia das pessoas.
Não é mais possível ter uma medida única para avaliar a confiabilidade de todas as notícias. O jogo de interesses complicou extraordinariamente a tarefa de separar o joio do trigo no noticiário. O jornalista pode e deve dar aos leitores de um jornal, por exemplo, os elementos para avaliar credibilidades no contexto concreto de cada evento, dado ou indivíduo.
Também não se pode mais jogar nas costas do jornalista toda a responsabilidade pelo patrulhamento das autoridades e do governo. Hoje o conjunto dos cidadãos numa comunidade tem um poder de produzir e circular informações muito maior do que o dos repórteres e editores. A revolução tecnológica democratizou a informação e isso faz com que os leitores de jornais também tenham responsabilidades informativas.
Uma das funções novas de repórteres e editores, mas que não é tão nova assim, é a da investigação jornalística. Na indústria da notícia, a produção de material voltado para atrair pupilas e vender anúncios atropelou a investigação ao privilegiar a produção em série de informações. Mas agora, na era da avalancha informativa, investigar tornou-se tão essencial quanto saber se algo é confiável ou não.
Os jornalistas são profissionais da informação e para fazerem jus a esta qualificação precisam desenvolver ao máximo a habilidade de identificar causas, consequências, beneficiados e prejudicados em eventos onde existe uma grande convergência de interesses nebulosos.
Ninguém pode substituir o jornalista nessa função, nem mesmo os promotores públicos e os investigadores policiais. Estes se orientam pelas leis enquanto o jornalista tem o interesse público como parâmetro. Na teoria não haveria conflito entre um e outro, mas na realidade a coisa é um pouco diferente.
Os jornalistas foram colocados diante de uma série de dilemas no contexto criado pelas novas tecnologias. Mas isso aconteceu também com o público e é por isso que há muita gente pedindo a volta dos “bons tempos”, quando a maioria dos leitores achava que a verdade estava nas páginas de um jornal ou no telenoticiário. A realidade se encarregou de desfazer essa ilusão, mas as pessoas resistem a encarar os fatos. É mais cômodo queixar-se dos jornalistas do que enfrentar a necessidade de fazer avaliações e opções.
Há todo um discurso que está sendo reformulado quando se trata do exercício do jornalismo. É um processo mais lento, porque a prática já mudou, mas os valores ainda continuam os mesmos dos tempos em que a única forma de obter informação era pela leitura de um jornal.
É fundamental que os jornalistas contemporâneos entendam este processo para que possam encontrar novos nichos de atividade profissional e consigam buscar a sua sustentabilidade financeira numa profissão que foi a mais afetada, em suas rotinas e valores, pela internet.