Se não é tão velho como os tipos móveis de imprensa do mestre Johanes Gutenberg, é quase: morre uma celebridade e lá despenca o reportariado ribanceira abaixo atrás de opiniões de outras celebridades sobre o mais novo cadáver excelente do dia.
Até aí, com perdão do trocadilho infame, morreu o Neves.
A questão é como se costuma fazer esse aspeamento de juízos de valor, para matar (de novo…) a trajetória do finado em poucas palavras.
Um exemplo, daqueles de ser reproduzido em sala de aula de jornalismo – será essa uma contradição em termos? – aparece no sofisticado artigo ‘Réquiem para o ditador’ do economista Luiz Gonzaga Beluzzo, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, no Valor de hoje.
Antes de chegar ao réquiem propriamente dito, ou melhor, a caminho do réquiem propriamente dito, ele reproduz um diálogo com um repórter que lhe telefonou no domingo para ‘repercutir’ (o termo é meu) a morte de Pinochet.
‘O rapaz queria saber se o ditador chileno seria um precursor das políticas econômicas neoliberais na América Latina’, conta Belluzzo. E, com paciência de palmeirense, ele vai explicando por que acha exatamente isso.
Às folhas tantas, o repórter voltou à carga. Com a palavra, o economista:
‘Seria ele, Pinochet, o precursor das peripécias neoliberais do presidente Fernando Henrique? Comecei a responder: ‘As analogias são perigosas’. Ele, do outro lado, impaciente: ‘A resposta tem que ser curta e grossa. Afinal, é ou não é?’ Achei um despropósito comparar Fernando Henrique a Pinochet. Sugeri, gentilmente: ‘É melhor você entrevistar um desses sujeitos cheios de certezas.’
Comenta Belluzzo, coberto de razão, que o ‘neorepórter executou os mandamentos da técnica das oposições binárias, método preferido nas modernas ações e interações midiáticas’. Seria a proverbial ponta do iceberg do controle social despótico nas atuais sociedades de massa, pensa o economista, para emendar que esse despotismo ‘dispensa a obviedade dos dólmãs, dos coturnos ou da cadeira do dragão’.
Como se diz na terra dos ancestrais do professor Belluzzo, si non è vero…
Marina dá a volta por cima – na mídia (II)
O Valor, a propósito, é antes de tudo um jornal de economia e negócios (embora mais de uma vez tenha feito por merecer elogios pela qualidade das suas páginas políticas).
Sendo o que é, talvez fosse de esperar que o diário engrossasse o coro da direita antiambientalista, a que se juntou há pouco o presidente Lula, contra a ministra Marina Silva.
Mas quem espera nem sempre alcança. O Valor contribui hoje para arejar o debate sobre o ‘destravamento’ da infra-estrutura, com o editorial ‘Preservação ambiental e a sina do baixo crescimento’. Vai ao ponto já na primeira linha:
‘Não é útil e muito menos verdadeiro atribuir o lento ritmo do crescimento brasileiro a obstáculos ambientais.‘
E diz o que já passou da hora de a elite ouvir, de fonte insuspeita:
‘A ministra do Meio Ambiente tem dito que perde o pescoço, mas não perde o juízo. Seria bom para o país que guardasse ambos intactos, pois uma das provas de maturidade de uma nacão é que ela seja capaz de promover o crescimento ao mesmo tempo que a preservação do meio ambiente.‘
Fará um favor ao país o assessor planaltino que deixar na mesa do presidente a página do Valor com esse editorial.
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